Buenaventura: gigante negro do Pacífico colombiano
Buenaventura: gigante negro do Pacífico colombiano
Estava a rolar o Instagram numa manhã qualquer quando vi uma foto que me fez parar. Era um pôr do sol dourado sobre um porto imenso, com gruas gigantes recortadas contra o céu. A legenda dizia apenas “Buenaventura, Colômbia”. Nunca tinha ouvido falar do sítio, mas algo naquela imagem me chamou. Talvez fosse a mistura entre o industrial e o belo, ou simplesmente a curiosidade de fotógrafo sempre à procura do próximo enquadramento perfeito.
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Três meses depois, estava num autocarro a tremer pelas estradas montanhosas que ligam Cali ao Pacífico. A viagem de quatro horas deu-me tempo para pensar… e para me arrepender um bocado. Não tinha encontrado praticamente nada sobre turismo em Buenaventura online. Os poucos artigos falavam apenas do porto comercial, estatísticas de exportação, problemas sociais. Comecei a questionar-me se não teria escolhido o destino errado para as minhas férias.
Quando finalmente cheguei, a primeira coisa que me bateu foi o calor húmido. Depois, o som. Não era só o barulho do trânsito – era uma sinfonia urbana completamente diferente. Gruas a trabalhar, navios a apitar, música a sair de cada esquina, vozes em crioulo que mal conseguia distinguir do espanhol. Enquanto escrevo isto, ainda consigo ouvir mentalmente essa banda sonora única que só Buenaventura tem.
O coração pulsante do Pacífico colombiano
Buenaventura não é um destino turístico no sentido tradicional. É o maior porto da Colômbia no Pacífico, responsável por mais de 60% do comércio marítimo do país. Números de 2024 mostram que movimenta cerca de 20 milhões de toneladas de carga por ano. Mas estes dados frios não te preparam para a realidade de estar ali, no meio de tudo.
Tentei usar o GPS para me orientar, mas a coisa não funcionava bem na zona portuária. O sinal de rede era instável, e eu estava ali perdido com o telemóvel na mão, parecendo exatamente o turista perdido que era. Foi quando percebi que ia ter de fazer isto à moda antiga – perguntando às pessoas.
Primeiras impressões (e algumas deceções)
Não vou mentir: as primeiras horas foram confusas. Procurava a “parte turística” da cidade e não a encontrava. Não havia mapas coloridos com atrações marcadas, nem autocarros hop-on-hop-off. Buenaventura é uma cidade de trabalho, onde as pessoas vivem do mar e do comércio. O centro histórico existe, mas está misturado com o movimento portuário, com vendedores ambulantes, com a vida real de uma cidade que não se veste para impressionar visitantes.
Lembro-me de estar sentado numa praça pequena, a transpirar debaixo do sol tropical, a questionar se tinha tomado a decisão certa. A romantização que tinha feito na minha cabeça – baseada numa foto do Instagram, admito – estava a chocar com a realidade crua de uma cidade portuária em funcionamento.

A alma afro-colombiana que me conquistou
Foi no segundo dia que tudo mudou. Não, na verdade não foi no primeiro dia… foi no segundo, agora lembro-me bem. Estava a caminhar sem rumo quando ouvi música a sair de uma casa pequena. Não era reggaeton nem salsa – era algo diferente, com tambores que pareciam falar. Aproximei-me e vi um grupo de homens mais velhos a tocar numa varanda.
Um deles, que depois soube chamar-se Carlos (não sei se era o nome verdadeiro, mas foi como se apresentou), acenou-me para me juntar. Não falava inglês, o meu espanhol é básico, mas a música não precisa de tradução. Foi ali que comecei a perceber que Buenaventura não é apenas um porto – é o coração da cultura afro-colombiana no Pacífico.
A descoberta cultural que mudou tudo
A influência africana está em todo o lado, mas tens de saber olhar. Na arquitetura das casas coloridas sobre palafitas, na forma como o peixe é temperado, nos ritmos que saem de cada rádio. Carlos explicou-me, meio em espanhol meio por gestos, que os seus antepassados vieram de África como escravos, mas trouxeram consigo tradições que nunca morreram.
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A gastronomia foi uma revelação. Esquece os restaurantes fancy – a comida boa está no mercado central. Primeira dica para poupar: come onde comem os locais. Um prato completo de pescado frito com patacones e arroz de coco custa 15.000 pesos (cerca de 3,50€) no mercado, enquanto nos poucos restaurantes “turísticos” pagas o triplo por qualidade inferior.
Experimentei o encocado de camarão, um guisado com leite de coco que me fez perceber porque é que a comida do Pacífico colombiano é considerada única. O sabor é intenso, complexo, com uma base de coco que suaviza o picante das especiarias. Erro comum que quase cometi: ia pedir o prato “menos picante”, mas a senhora que me serviu insistiu para experimentar como deve ser. Tinha razão – o picante faz parte da experiência.
Navegando pela logística (e os meus erros)
Como chegar (testado na pele)
A viagem de autocarro desde Cali demora entre 3 a 4 horas, dependendo do trânsito e das condições da estrada. Segunda dica para poupar: há várias empresas, mas não todas são iguais. A Expreso Bolivariano cobra 35.000 pesos (8€), enquanto a Flota Magdalena cobra 28.000 pesos (6,50€) pelo mesmo trajeto. A diferença está no conforto dos assentos e no ar condicionado.
O meu erro de planeamento: não verifiquei os horários de regresso. Descobri no último dia que os autocarros param de sair para Cali às 18h. Quase tive de passar mais uma noite, o que não era problema, mas baralhou-me os planos seguintes.
E claro, a bateria do telemóvel descarregou exatamente quando precisava de confirmar o horário. Lição aprendida: power bank é essencial, especialmente numa cidade onde nem todos os sítios têm tomadas facilmente acessíveis.

Onde ficar sem arruinar o orçamento
Testei duas opções. Primeiro, um hotel no centro que me custou 80.000 pesos por noite (18€). Básico mas limpo, com ar condicionado que funcionava metade do tempo. Depois mudei para uma casa de família que encontrei por recomendação – 50.000 pesos por noite (11€), com pequeno-almoço incluído e conversas impagáveis com a dona da casa.
Lembrete de segurança importante: Buenaventura tem zonas que é melhor evitar, especialmente à noite. A polícia turística (sim, existe) recomenda ficar nas áreas centrais e não andar sozinho depois das 20h. Não é paranoia – é prudência sensata.
As reservas online não funcionam bem aqui. A maioria dos alojamentos locais não está nas plataformas internacionais. É preciso contacto direto, perguntar nas ruas, usar o método tradicional. Para mim, que estava habituado a resolver tudo pelo telemóvel, foi quase libertador.
Tesouros escondidos que ninguém te conta
Além do porto comercial
Descoberta exclusiva que não encontras em guia nenhum: há um sítio chamado La Bocana, a cerca de 20 minutos de barco do centro, onde se podem ver golfinhos. Não é um passeio turístico organizado – soube através de um pescador que conheci no mercado. Ele ofereceu-se para me levar por 50.000 pesos (11€), incluindo o barco e duas horas de observação.
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Foi mágico. Vimos pelo menos uma dúzia de golfinhos, alguns saltaram mesmo ao lado do barco. O melhor? Éramos só eu, o pescador e o oceano. Nada de multidões, nada de horários rígidos. Elemento de tempo real: acabei de ver nas minhas fotos e ainda me arrepio com aquelas imagens.
Segunda descoberta exclusiva: há um miradouro numa colina atrás da cidade que nenhum turista conhece. Um rapaz local mostrou-me o caminho – 45 minutos de caminhada íngreme, mas a vista sobre o porto e o Pacífico é de cortar a respiração. Especialmente ao pôr do sol, quando as gruas se transformam em silhuetas dramáticas contra o céu alaranjado.
Atividades que valem mesmo a pena
O passeio pelos mangais foi uma experiência que não esperava. Há um projeto de ecoturismo comunitário que oferece tours de canoa pelos canais naturais. Custa 40.000 pesos (9€) e dura cerca de 3 horas. O guia explicou-me como os mangais são essenciais para o ecossistema, como protegem a costa da erosão, como servem de berçário para centenas de espécies de peixes.
Consciência ambiental em ação: o projeto usa parte dos lucros para plantar novos mangais e limpar os canais do lixo. Senti que o meu dinheiro estava a fazer diferença real.

Houve um momento, a meio do passeio, em que estava fisicamente cansado. O calor, a humidade, o balanço da canoa… pensei em desistir. Mas quando chegámos a uma lagoa escondida onde centenas de aves aquáticas descansavam, percebi que valia cada gota de suor. Às vezes é preciso ajustar as expectativas e aceitar que o desconforto momentâneo faz parte da recompensa.
A realidade crua (que também faz parte)
Desafios e contrastes sociais
Buenaventura tem problemas sociais evidentes. A pobreza é visível, especialmente nos bairros periféricos. Há casas sobre palafitas sem saneamento básico, crianças a pedir dinheiro no semáforo, desemprego alto. Como viajante, é impossível ignorar estes contrastes.
Para ser honesto, isto fez-me questionar o meu papel como turista. Estava ali a tirar fotos bonitas enquanto pessoas viviam em condições difíceis metros ao lado. Falei sobre isto com Carlos, o músico que conheci. Ele disse-me algo que me marcou: “O turismo pode ajudar, mas só se for respeitoso. Se vocês vierem, comprarem local, tratarem-nos como pessoas e não como cenário, é bom para todos.”
Responsabilidade turística: comecei a escolher conscientemente onde gastava o dinheiro. Pequenos restaurantes familiares em vez de cadeias, artesanato local em vez de souvenirs importados, guias da comunidade em vez de operadores externos.
Segurança sem paranoia
A polícia turística é profissional e prestável. Falei com eles duas vezes – uma para pedir direções, outra porque me senti inseguro numa zona mais afastada ao final do dia. Foram simpáticos e deram-me boleia de volta ao centro. O truque é encontrar o equilíbrio entre prudência e abertura à experiência.
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Precauções que funcionaram: não usar telemóvel ostensivamente na rua, não andar com muito dinheiro, perguntar aos locais sobre zonas a evitar. O que foi excessivo: inicialmente estava demasiado tenso, o que me impedia de interagir naturalmente com as pessoas.
Reflexões finais de quem ficou surpreendido
O que mudou em mim
Buenaventura superou as minhas expectativas de uma forma completamente diferente do que imaginava. Não foi pelas paisagens de cartão postal ou pelas comodidades turísticas – foi pela autenticidade. Numa era em que tantos destinos se tornaram cenários Instagram, encontrar um sítio que é genuinamente ele próprio foi refrescante.
Aprendi sobre a cultura afro-colombiana, sobre a importância dos portos na economia global, sobre como o turismo pode ser uma ferramenta de desenvolvimento quando feito com respeito. Lição sobre preconceitos: cheguei à procura de fotos bonitas e saí com uma compreensão mais profunda sobre comunidades resilientes e tradições preservadas.

Enquanto revejo as fotos no telemóvel – as que consegui tirar antes da bateria acabar – vejo rostos sorridentes, pores do sol dramáticos, pratos coloridos. Mas lembro-me principalmente das conversas, da música, do calor humano que encontrei.
Vale a pena visitar?
Recomendação honesta: Buenaventura não é para todos os tipos de viajante. Se procuras resorts, animação turística, infraestrutura polida, vai para outro lado. Mas se queres uma experiência autêntica, se gostas de descobrir culturas genuínas, se não tens medo de sair da zona de conforto, então sim, vale muito a pena.
Preparação mental necessária: vem com mente aberta e expectativas flexíveis. Não é um destino para relaxar numa espreguiçadeira – é um destino para aprender, para se envolver, para crescer como pessoa.
Pensava que ia escrever sobre portos e comércio, mas acabei por escrever sobre pessoas. Sobre Carlos e a sua música, sobre a senhora do mercado que me ensinou a comer encocado, sobre o pescador que me mostrou os golfinhos. No final, são sempre as pessoas que fazem a diferença numa viagem.
Se estás a pensar visitar a Colômbia e queres algo diferente de Cartagena ou Bogotá, considera Buenaventura. Não será fácil, mas será real. E nos tempos que correm, a autenticidade vale ouro.
Esta é apenas a minha experiência pessoal de dezembro de 2024. As situações podem mudar com o tempo, por isso confirma sempre informações práticas antes de viajares.
Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.