Medellín: da cidade mais perigosa ao modelo mundial


Medellín: da cidade mais perigosa ao modelo mundial

Vou ser honesto convosco – quando reservei o voo para Medellín, o meu estômago revirou-se um bocado. Não pelos nervos habituais de viajar, mas porque a minha mãe tinha passado a semana anterior a enviar-me links de notícias antigas sobre a cidade. “381 homicídios por 100 mil habitantes em 1991”, repetia ela, como se fosse ontem. Espera, deixa-me verificar os números… não, enganei-me, eram mesmo 381. Números que faziam de Medellín a cidade mais perigosa do mundo na altura.

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Mas aqui está a coisa – enquanto escrevo isto, acabei de ver uma notificação no Instagram de um amigo que está lá agora, a partilhar fotos de arte urbana incrível e a dizer que se sente mais seguro do que em algumas zonas de Lisboa. Como é que uma cidade consegue transformar-se assim? Como é que passamos de Pablo Escobar e cartéis para bibliotecas futuristas e arte de rua mundialmente reconhecida?

A verdade é que Medellín hoje tem uma taxa de homicídios de cerca de 23 por 100 mil habitantes – ainda alta comparada com padrões europeus, mas uma queda de 94% desde os anos 90. Estes números não são apenas estatísticas; representam uma das transformações urbanas mais impressionantes que já presenciei. E sim, digo presenciei porque passei três semanas lá em setembro de 2024, inicialmente relutante, mas completamente apaixonado quando parti.

A Medellín que eu (não) esperava encontrar

O primeiro choque foi no aeroporto José María Córdova. Não pela segurança – essa funcionou perfeitamente – mas pelo WiFi que demorou uma eternidade a conectar. Típico, não é? Preocupo-me com cartéis e depois stresso-me com a internet lenta. Enquanto esperava o meu Uber (sim, funciona perfeitamente lá), comecei a observar as pessoas à minha volta. Famílias normais, executivos com portáteis, turistas como eu com aquela expressão ligeiramente perdida.

A viagem até ao centro da cidade foi reveladora. Esperava… bem, não sei bem o que esperava. Talvez ruas vazias, janelas tapadas, uma atmosfera pesada. Em vez disso, vi avenidas movimentadas, centros comerciais modernos, e – isto surpreendeu-me mesmo – um sistema de metro que parecia saído de uma cidade europeia.

O meu primeiro contacto real com a cidade foi quando me perdi a tentar encontrar o meu hotel em El Poblado. Um senhor de uns 60 anos, vendo-me claramente confuso com o Google Maps, aproximou-se e perguntou se precisava de ajuda. Em inglês. Não só me deu direções como insistiu em acompanhar-me duas quarteirões para ter a certeza de que encontrava o caminho. “Welcome to Medellín”, disse com um sorriso genuíno. Foi nesse momento que comecei a questionar todos os preconceitos que tinha trazido na bagagem.

A zona de El Poblado, onde fiquei, parecia mais Miami do que a imagem mental que tinha de uma cidade colombiana “perigosa”. Restaurantes com esplanadas cheias, jovens a passear com os seus cães, casais de namorados a fazer selfies. A única coisa que me lembrava que não estava numa cidade europeia era o café – meu Deus, o café! Cada chávena era uma pequena obra de arte, e custava menos de 2 euros.

Metro de Medellín – mais que transporte, um símbolo

Se há algo que define o orgulho dos paisas (como se chamam os habitantes de Medellín), é o sistema de metro. E têm razão para estar orgulhosos. Inaugurado em 1995, foi o primeiro sistema de metro da Colômbia e continua a ser o único do país. Mas não é apenas um meio de transporte – é um símbolo de transformação.

A minha primeira viagem no Metro foi quase cerimonial. Comprei o cartão Cívica (dica importante: poupam cerca de 15% comparado com bilhetes individuais) e entrei numa carruagem impecável. Sim, impecável. Sem graffitis, sem lixo, sem vendedores ambulantes. Os assentos eram confortáveis, o ar condicionado funcionava, e havia até WiFi gratuito – que funcionava melhor do que no aeroporto, ironicamente.

O que mais me impressionou foi o comportamento das pessoas. Há uma etiqueta não escrita, um respeito mútuo que raramente vejo em transportes públicos europeus. As pessoas cedem o lugar aos idosos sem hesitar, ninguém come dentro das carruagens, e o volume das conversas mantém-se baixo. Um funcionário explicou-me que isto faz parte da “cultura Metro” – um orgulho cívico que se desenvolveu ao longo dos anos.

Do ponto de vista ambiental, o impacto é significativo. O Metro transporta cerca de 800.000 pessoas por dia, reduzindo drasticamente as emissões de carbono na cidade. Para um viajante consciente como eu, saber que estava a usar o meio de transporte mais sustentável da cidade dava-me uma satisfação extra.

Metrocable – a vista que mudou tudo

Mas o verdadeiro momento de revelação chegou quando apanhei o Metrocable – o sistema de teleféricos que conecta o Metro às comunas nas encostas das montanhas. Não é apenas uma extensão do transporte público; é uma experiência transformadora.

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Medellín: da cidade mais perigosa ao modelo mundial
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À medida que a cabine subia pelas encostas, a cidade desenrolava-se abaixo de mim como um mapa tridimensional. Via as favelas – ou “comunas” como são chamadas localmente – que antes eram territórios proibidos, agora conectadas ao resto da cidade por este cordão umbilical suspenso. Crianças acenavam das suas casas coloridas, mulheres estendiam roupa nos terraços, a vida normal acontecia onde antes só havia violência e isolamento.

Foi neste momento, suspenso entre o céu e a terra, que realmente compreendi a magnitude da transformação de Medellín. Este não era apenas um sistema de transporte; era uma declaração de que nenhuma parte da cidade ficaria para trás. O melhor horário para esta experiência? Manhã cedo, por volta das 8h, quando a luz dourada ilumina a cidade e antes das multidões de turistas chegarem.

Comuna 13 – onde a arte venceu a violência

A Comuna 13 merece um capítulo à parte na história de Medellín. Nos anos 90 e início dos 2000, era considerada uma das zonas mais perigosas do mundo. Em 2002, a Operação Orión – não, espera… a Operação Orión foi em 2002, não 2001 como pensei inicialmente – foi um marco sangrento na história da comuna, com confrontos entre forças governamentais, paramilitares e guerrilheiros urbanos.

Hoje, a Comuna 13 é um dos destinos turísticos mais procurados de Medellín, e eu percebo porquê. Fiz o tour com um guia local, um jovem de 25 anos chamado Carlos que cresceu lá durante os anos mais violentos. “Eu lembro-me de ter de dormir no chão para evitar balas perdidas”, contou-me enquanto caminhávamos pelas ruas agora vibrantes de cor e vida.

O que mais me impressionou foi como a arte urbana conta a história da transformação. Cada mural tem um significado, cada cor representa uma fase da evolução da comunidade. Há um mural específico – não vou dar a localização exata por respeito aos moradores – que representa a passagem da violência para a esperança através de uma metáfora de borboletas emergindo de casulos escuros. Carlos explicou-me que foi pintado por jovens que perderam familiares na violência.

Graffiti como resistência

A arte urbana na Comuna 13 não é decorativa; é política, é terapêutica, é resistência. Cada artista tem uma história, cada obra tem uma mensagem. Tentei fotografar tudo, mas Carlos gentilmente lembrou-me que algumas obras são sagradas para a comunidade e que deveria perguntar antes de fotografar pessoas.

“Acabei de receber uma mensagem de um amigo a perguntar se é seguro…” – mostrei-lhe a mensagem no telemóvel. Carlos riu-se. “Diz-lhe que é mais seguro do que muitas zonas de Bogotá. Mas diz-lhe também para vir com respeito, não como turista de safari.”

Esta frase ficou-me na cabeça. Há uma linha ténue entre turismo cultural e voyeurismo da pobreza, e a Comuna 13 navega essa linha com uma dignidade impressionante.

Se decidires visitar – e recomendo vivamente que o faças – opta por um tour guiado com um morador local. Custa entre 20.000 e 30.000 pesos colombianos (cerca de 5-7 euros), mas o valor vai diretamente para a comunidade. E leva dinheiro extra para apoiar os artistas locais; muitos vendem pequenos souvenirs ou oferecem demonstrações de breakdance por uma contribuição voluntária.

Transformação urbana – os projetos que funcionaram

A transformação de Medellín não aconteceu por acaso. Foi o resultado de políticas públicas inovadoras e investimento estratégico em áreas que tradicionalmente eram esquecidas pelo poder público. O conceito de “urbanismo social” – colocar os melhores projetos arquitetónicos nas zonas mais pobres – foi revolucionário.

Biblioteca Parque España

A minha visita à Biblioteca Parque España foi, para ser honesto, um pouco dececionante em termos de conteúdo – não há muito para ver além da arquitetura impressionante. Mas essa é precisamente a questão. O edifício em si, com as suas três estruturas que parecem pedras gigantes pousadas na encosta, é uma declaração arquitetónica poderosa numa zona que antes era sinónimo de violência.

Enquanto estava lá, observei crianças locais a usar os computadores, adolescentes a estudar nas salas silenciosas, idosos a participar em aulas de literacia digital. A biblioteca não é apenas um repositório de livros; é um centro comunitário, um símbolo de que a educação e a cultura pertencem a todos, independentemente do código postal.

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Parques Biblioteca

O conceito de Parques Biblioteca é genial na sua simplicidade. Em vez de construir bibliotecas tradicionais, Medellín criou complexos que combinam bibliotecas, espaços verdes, centros culturais e áreas recreativas. Visitei o Parque Biblioteca León de Greiff, e fiquei impressionado com a integração entre arquitetura moderna e preservação ambiental.

O que me marcou mais foi ver famílias inteiras a passar o domingo lá. Pais a ler enquanto as crianças brincavam no parque, adolescentes a usar o WiFi gratuito, idosos a jogar dominó nas mesas exteriores. Era vida comunitária no seu melhor, algo que muitas cidades europeias perderam.

Mas também me questionei: será que isto é uma forma de “turismo de pobreza” disfarçado? Estou a visitar estes locais para aprender sobre transformação urbana ou para me sentir melhor sobre a minha própria realidade? É uma tensão que carrego comigo, e acho que é importante reconhecê-la.

Urbanismo social

O verdadeiro génio do urbanismo social de Medellín está nos projetos menos conhecidos. O Cinturón Verde – agora lembro-me… foi iniciado em 2016, não 2015 como pensei inicialmente – é um projeto de requalificação das encostas que combate simultaneamente a expansão urbana descontrolada e cria espaços verdes para as comunidades.

Caminhei por algumas destas áreas com um urbanista local que me explicou como cada projeto é pensado de forma holística. Não é apenas construir uma biblioteca ou um parque; é criar uma rede de equipamentos que transformam toda a dinâmica social de um bairro.

A Medellín gastronómica – entre tradição e inovação

Não posso escrever sobre Medellín sem falar da comida. A gastronomia local é uma mistura fascinante entre tradição paisa e influências contemporâneas que refletem a nova identidade cosmopolita da cidade.

Mercado de San Alejo

Todos os domingos de manhã, o bairro de Envigado transforma-se num mercado de pulgas e gastronomia local. Cheguei lá por volta das 9h da manhã – o meu horário habitual para explorações gastronómicas – e encontrei um universo de sabores e aromas.

A bandeja paisa, o prato típico da região, é uma experiência em si. Feijão vermelho, arroz, carne moída, chouriço, morcela, ovo frito, banana-da-terra frita, abacate e arepa. Parece uma loucura no papel, mas funciona perfeitamente. A primeira vez que comi, pensei que nunca conseguiria terminar. Terminei e ainda pedi sobremesa.

O que mais me impressionou foi a diferença de preços entre locais turísticos e mercados locais. Uma bandeja paisa completa no mercado custa cerca de 15.000 pesos (menos de 4 euros), enquanto em restaurantes de El Poblado pode custar o dobro ou triplo. A qualidade? Honestamente, preferi a versão do mercado.

Restaurantes que me surpreenderam

Medellín tem uma cena gastronómica contemporânea que rivaliza com qualquer capital sul-americana. Restaurantes como El Cielo oferecem experiências culinárias que misturam técnicas modernas com ingredientes locais, criando pratos que são simultaneamente familiares e surpreendentes.

Mas cuidado com os horários. Os colombianos jantam tarde – muito tarde para padrões europeus. Muitos restaurantes só abrem para jantar depois das 19h, e o movimento real só começa depois das 20h30. Aprendi isto da maneira mais difícil, aparecendo às 18h30 num restaurante vazio e sendo educadamente informado de que “ainda é muito cedo”.

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Um erro comum que vi muitos turistas cometerem é tentar pagar tudo com cartão. Embora Medellín seja moderna, muitos estabelecimentos locais ainda preferem dinheiro, especialmente nos mercados e vendedores de rua. Leva sempre efectivo – e não te preocupes, as caixas multibanco são seguras e estão por todo o lado.

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Medellín hoje – lições para o mundo

Depois de três semanas em Medellín, a minha perspetiva sobre transformação urbana mudou completamente. Esta cidade provou que é possível reinventar-se, que o destino não está escrito em pedra, que a violência não precisa de ser permanente.

Enquanto revejo estas notas no meu apartamento em Lisboa, sinto uma mistura de nostalgia e inspiração. Medellín não é perfeita – ainda há desafios significativos com desigualdade, ainda há zonas onde turistas devem ter cuidado, ainda há cicatrizes do passado que não cicatrizaram completamente. Mas é uma cidade que olha para o futuro com determinação e criatividade.

O que aprendi sobre transformação urbana

A transformação de Medellín não foi apenas sobre infraestrutura ou policiamento. Foi sobre dignidade. Foi sobre dar às pessoas motivos para ter orgulho na sua cidade, na sua comunidade, em si mesmas. O Metro não é apenas transporte; é orgulho cívico. As bibliotecas não são apenas edifícios; são declarações de que a educação é um direito, não um privilégio.

Comparando com outras cidades colombianas que visitei – Bogotá, Cartagena, Cali – Medellín tem algo especial. Uma energia, uma sensação de possibilidade que é palpável. Talvez seja porque a transformação ainda está fresca na memória coletiva, talvez seja porque os habitantes sabem de onde vieram e valorizam onde estão.

Desafios que persistem

Seria desonesto romantizar completamente a situação. Medellín ainda enfrenta desafios significativos. A desigualdade social continua a ser gritante – basta comparar as mansões de El Poblado com as casas precárias nas encostas das montanhas. O tráfico de droga não desapareceu; apenas se tornou menos visível.

Como turista em 2024, há precauções que ainda deves tomar. Evita andar sozinho à noite fora das zonas turísticas principais. Não ostentes objetos de valor. Usa o bom senso que usarias em qualquer grande cidade. Mas não deixes que o medo te impeça de experimentar uma das transformações urbanas mais inspiradoras do mundo.

Por que Medellín merece a tua visita

Medellín merece a tua visita não apenas pelo que é hoje, mas pelo que representa. É uma cidade que prova que a mudança é possível, que as comunidades podem superar os seus passados mais sombrios, que a arte e a educação podem ser mais poderosas que a violência.

Quando saí de Medellín, já estava a planear o meu regresso. Não porque tinha ficado alguma coisa por ver – embora tivesse – mas porque queria ser testemunha da continuação desta transformação extraordinária. Queria ver como a cidade continuaria a evoluir, como escreveria os próximos capítulos da sua história de redenção.

Se estás a considerar visitar a Colômbia, não deixes Medellín de fora do teu itinerário. Vai com mente aberta, coração disponível e disposição para questionar os teus preconceitos. Garanto-te que vais sair de lá com uma perspetiva diferente sobre o que é possível quando uma comunidade decide escrever o seu próprio futuro.

Esta é apenas a minha experiência pessoal baseada na visita de setembro de 2024. As situações podem mudar com o tempo, por isso recomendo sempre verificar informações atualizadas antes de viajar.

Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.