Pasto: explosão de cores no carnaval mais autêntico


Pasto: explosão de cores no carnaval mais autêntico

Confesso que cheguei a Pasto meio por acaso. Estava a planear uma rota pela Colômbia quando um amigo colombiano me disse: “João, se fores em janeiro, não podes perder o Carnaval de Negros y Blancos.” Na altura pensei que seria mais um daqueles carnavais comerciais que vemos por todo o lado. Como é que eu estava enganado! Enquanto escrevo isto, ainda tenho restos de tinta branca debaixo das unhas e uma saudade imensa daqueles quatro dias que mudaram completamente a minha perspetiva sobre o que é um carnaval autêntico.

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A primeira coisa que me impressionou foi ver as famílias inteiras a prepararem-se para o carnaval. Não estou a falar de turistas com fantasias compradas, mas de avós ensinando netos a fazer máscaras, de vizinhos que passam meses a construir carrozas nas suas garagens. Foi quando percebi que isto não era entretenimento – era cultura viva, tradição que passa de geração em geração.

Espera, não foi bem assim que começou… deixem-me explicar direito. A minha primeira impressão foi de total confusão. Cheguei no dia 1 de janeiro de 2024, pensando que o carnaval começava no dia seguinte. Estava completamente perdido, sem perceber porque é que toda a gente estava tão animada. Foi só quando uma senhora na pensão onde ficava me explicou o calendário completo que entendi a dimensão do que estava prestes a viver.

Por que é que este carnaval é diferente de todos os outros que já vivi? Simples: aqui não és espetador, és participante. Não há barreiras entre artistas e público, não há VIPs nem áreas exclusivas. Durante quatro dias, Pasto transforma-se numa grande família onde toda a gente se conhece, se pinta, se abraça e celebra junto. E acreditem, vou partilhar como viver esta experiência sem cair nas armadilhas típicas de turista – porque eu caí em quase todas!

O que faz do Carnaval de Negros y Blancos algo único

A história que ninguém conta direito

A verdadeira origem deste carnaval descobri-a conversando com Don Carlos, um artesão de 78 anos que conheci numa oficina de máscaras. Não, não é só sobre raças como muita gente pensa – é muito mais complexo e bonito do que isso. Don Carlos contou-me que tudo começou no século XVI, quando os escravos negros conseguiram um dia de liberdade para celebrar. No dia seguinte, os senhores brancos, impressionados com a festa, decidiram juntar-se pintando-se de preto em solidariedade.

Mas a evolução até aos dias de hoje é fascinante. O que começou como um gesto de resistência e depois de união racial, transformou-se numa celebração da diversidade cultural de Nariño. Cada região da província contribui com as suas tradições, criando uma mistura única que não encontram em mais lado nenhum.

A frustração que tive ao tentar encontrar informação fiável online foi imensa. A maioria dos sites repetia a mesma informação superficial, sem explicar realmente o significado profundo de cada ritual. Foi só falando com os locais que compreendi que cada cor, cada dança, cada máscara tem um significado específico que remonta a tradições indígenas, africanas e espanholas.

Diferenças brutais dos outros carnavais

Já vivi o carnaval do Rio, estive em Barranquilla, participei no de Cádiz. Cada um tem a sua magia, mas Pasto é diferente numa forma que só se compreende estando lá. No Rio, o foco está no espetáculo e na sensualidade. Em Barranquilla, na música e na dança. Mas em Pasto, o foco está na comunidade e na tradição familiar.

O que me dececionou inicialmente foi precisamente isso – esperava mais música alta, mais festa “comercial”. Os primeiros dias pareciam-me demasiado calmos, demasiado familiares. Mas depois entendi que essa é exatamente a beleza do carnaval pastuso. É um carnaval onde as crianças participam tanto quanto os adultos, onde os avós são tão importantes quanto os jovens. Os locais chamam-lhe “carnaval da família” e agora percebo porquê.

A descoberta mais inesperada foi perceber que aqui não há competição entre grupos ou bairros. Toda a gente trabalha junto para criar algo bonito para a cidade. Vi grupos de diferentes bairros a ajudarem-se mutuamente quando uma carroza teve problemas, vi famílias a partilharem tintas e materiais com desconhecidos. Isto simplesmente não acontece nos outros carnavais que conheci.

Quando ir e como não estragar tudo

Datas que mudaram a minha vida

Pensava que era sempre em fevereiro, como a maioria dos carnavais, mas o Carnaval de Negros y Blancos tem datas fixas: de 2 a 6 de janeiro, todos os anos. Em 2025 será exatamente nas mesmas datas, e já estou a planear voltar. O erro mais comum que vejo turistas a cometerem é chegar no último dia, pensando que vão apanhar o melhor. Desperdiçam completamente a experiência!

O dia que os locais mais gostam é o 3 de janeiro, o Día de los Negros. É o mais íntimo, o mais familiar. Já o que os turistas preferem é o 5 de janeiro, o desfile de carrozas, que é mais visual e fotogénico. Mas se tiverem de escolher apenas um dia (coisa que não recomendo), escolham o dia 4, o Día de los Blancos. É quando a cidade inteira se transforma numa batalha de tinta branca e toda a gente participa.

A informação que ninguém vos diz é que o carnaval oficialmente começa no dia 28 de dezembro com o Día de los Inocentes, mas os preparativos e o ambiente começam muito antes. Se quiserem viver a experiência completa, cheguem pelo menos no dia 1 de janeiro.

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O drama do alojamento

Quase dormi na rua porque não reservei com antecedência suficiente. Cheguei no dia 31 de dezembro e tudo estava ocupado ou com preços absurdos. Acabei por ficar numa casa de família que me custou 25 euros por noite, quando os hotéis pediam 80-100 euros. A estratégia para poupar 40% na hospedagem é simples: reservem casas de família através de contactos locais, não através de plataformas internacionais. Procurem grupos de Facebook de Pasto ou contactem a câmara municipal – eles têm listas de famílias que recebem turistas.

Clima e o que vestir

A realidade crua é que as minhas roupas ficaram completamente arruinadas. Pasto está a 2.500 metros de altitude, por isso faz frio de manhã e à noite, mas durante o dia, com toda a gente a correr e a participar, fica quente. Além disso, vão ser pintados com tinta que não sai facilmente.

O que realmente funciona (testado na pele): roupas velhas que não se importem de deitar fora, sapatos fechados e impermeáveis, um casaco que possam tirar facilmente, e – isto é fundamental – roupa interior que possam mudar várias vezes ao dia. Levem também sacos plásticos para guardar o telemóvel e a carteira.

Os dias do carnaval – cronograma real de quem viveu

28 de dezembro – Dia dos Inocentes

O que não esperava era que este dia fosse tão importante. É quando os jovens saem às ruas com água e farinha, pregando partidas a toda a gente. Parece inocente, mas cuidado – algumas brincadeiras podem ser pesadas para quem não está habituado. Vi turistas a ficarem genuinamente assustados com a intensidade das “brincadeiras”.

Pasto: explosão de cores no carnaval mais autêntico
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2 de janeiro – Desfile de Colectividades

Este foi o dia em que quase desmaiei no meio da multidão. Subestimei completamente o cansaço físico de estar de pé durante horas, a empurrar e a ser empurrado, debaixo do sol da altitude. A meio do desfile tive de sair da multidão e sentar-me numa esplanada para recuperar. Foi quando ajustei a minha estratégia para os dias seguintes: intervalos regulares, muita água, e posições estratégicas em vez de tentar estar sempre na primeira fila.

Mas foi também o momento que me fez chorar literalmente. Ver grupos de todas as idades, desde crianças de 5 anos até senhores de 80, a desfilarem com tanto orgulho e alegria nas suas tradições… foi emocionante de uma forma que não esperava. Cada grupo representava uma comunidade, uma história, uma tradição que resistiu ao tempo e à modernização.

Sobre apps úteis: esqueçam o Google Maps durante os desfiles – não funciona com tanta gente. O que funciona é a app oficial do carnaval (sim, existe!) que tem mapas offline e horários atualizados. Também descarreguem o WhatsApp offline translator – vai ser útil para comunicar com os locais.

3 de janeiro – Dia dos Negros

Como acabei pintado de preto? Simples: não há como escapar. Saí de manhã do alojamento e às 10h já estava completamente coberto de tinta preta. A primeira vez que alguém me pintou fiquei um bocado tenso – “espera, isto é ofensivo ou não?” Mas rapidamente percebi que aqui não há malícia racial. É uma tradição de união, onde toda a gente participa independentemente da cor da pele original.

O que fazer e o que evitar: participem sem receios, mas respeitem quem não quer ser pintado (há sempre algumas pessoas com braçadeiras brancas que indicam que preferem não participar). Não tentem resistir ou fugir quando vos quiserem pintar – faz parte da experiência e a resistência só torna tudo mais confuso.

4 de janeiro – Dia dos Blancos

O caos organizado que me apaixonou completamente. Se o dia dos negros é íntimo e familiar, o dia dos brancos é pura loucura coletiva. A cidade inteira transforma-se numa batalha de tinta branca, talco, espuma… é impossível descrever a energia que se sente nas ruas.

Como me tornei parte de uma carroza? Por acaso total. Estava a fotografar um grupo que estava com dificuldades para empurrar a sua carroza numa subida quando um senhor me gritou: “Eh, gringo, ven acá!” Acabei por passar duas horas a ajudar a empurrar e a animar a multidão. Foi uma das experiências mais autênticas de toda a viagem.

A realidade física é que precisei de três banhos para ficar completamente limpo. A tinta branca entra em todo o lado – orelhas, nariz, cabelo… Levem champô extra e tenham paciência. Faz parte da experiência e vale completamente a pena.

5 de janeiro – Desfile de Carrozas

O momento de despedida chegou demasiado depressa. Este é o dia mais fotogénico, quando as carrozas que os grupos passaram meses a construir finalmente desfilam. É bonito, é impressionante, mas também é melancólico porque sabemos que está a acabar.

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O que poderia ser melhor? A organização dos espaços para espetadores. Há zonas onde é quase impossível ver alguma coisa, e outras onde se está demasiado longe. Mas honestamente, estas pequenas imperfeições fazem parte do charme de um carnaval autêntico, não comercializado.

Guia prático para sobreviver (e aproveitar) o caos

Dinheiro e pagamentos

A realidade digital é que o Pix não funciona aqui, obviamente, e os cartões internacionais nem sempre são aceites. Levem dinheiro em efectivo suficiente para os quatro dias – calculem cerca de 50-70 euros por dia se quiserem comer bem e comprar algumas lembranças.

Como gastei 30% menos que o planeado? Simples: comi onde os locais comem, comprei bebidas em supermercados em vez de vendedores de rua, e negociei preços em grupo com outros turistas para transporte e algumas atividades.

Onde trocar dinheiro sem ser roubado: evitem as casas de câmbio perto das zonas turísticas. Vão aos bancos ou às casas de câmbio nos centros comerciais – têm taxas melhores e são mais seguras.

Comida de rua – sucessos e fracassos

O que me surpreendeu foi a qualidade da comida de rua durante o carnaval. Esperava comida cara e de baixa qualidade, como acontece em muitos eventos turísticos, mas encontrei pratos deliciosos e autênticos. O cuy assado (porquinho da índia) que provei numa barraca perto da Plaza de Nariño foi uma das melhores refeições da viagem.

O erro alimentar que me deixou de cama por um dia foi comer demasiadas empanadas de diferentes barracas no mesmo dia. O meu estômago não aguentou a mistura de óleos e temperos diferentes. A lição: escolham uma ou duas barracas que pareçam limpas e fiquem-se por elas.

A descoberta culinária que mudou a minha perspetiva foi o champús – uma bebida tradicional feita com milho, canela e frutas que se bebe quente. Parece estranho, mas é delicioso e perfeito para o clima frio das manhãs de Pasto. Acabei de receber uma mensagem de um leitor a perguntar sobre receitas tradicionais, e o champús é definitivamente algo que vale a pena experimentar.

Transporte e logística

As apps de transporte como Uber não funcionam bem durante o carnaval – há demasiado trânsito e muitas ruas cortadas. Como os locais realmente se deslocam? A pé, principalmente. Pasto não é uma cidade muito grande, e durante o carnaval é mais rápido andar do que tentar apanhar transporte.

Segurança sem paranoia

O que realmente importa vigiar: o telemóvel e a carteira, obviamente, mas também os sapatos! Parece estranho, mas com tanta tinta e líquidos no chão, é fácil escorregar. Vi várias pessoas a caírem, incluindo eu próprio.

Pasto: explosão de cores no carnaval mais autêntico
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O susto que tive foi quando pensei que me tinham roubado a carteira. Estava tão coberto de tinta que não sentia nada nos bolsos. Passaram-se 20 minutos de pânico até perceber que a tinha mudado de bolso sem me lembrar. Como evitar: usem uma bolsa pequena à frente do corpo, não nos bolsos de trás.

Além do carnaval – Pasto que os turistas não veem

Descobertas acidentais

Como descobri a cidade “real” quando precisei de descansar? No dia 4, depois de horas de batalha de tinta branca, estava completamente exausto e entrei num café pequeno longe do centro. Acabei por passar duas horas a conversar com o dono, que me contou histórias da cidade que nunca encontraria em guia nenhum.

Foi ele que me levou ao Mirador de La Cocha no dia seguinte, um lugar que oferece uma vista incrível sobre a lagoa e onde praticamente não há turistas. Também me mostrou o mercado local onde os artesãos vendem as suas peças – muito mais barato e autêntico do que as lojas do centro histórico.

A conversa que mais me marcou foi com uma artesã que fazia máscaras há 40 anos. Ela explicou-me como cada máscara conta uma história, como as cores e os padrões têm significados específicos que remontam às tradições pré-colombianas. Comprei-lhe uma máscara que agora está na minha sala, e sempre que a vejo lembro-me da paixão com que ela falava do seu trabalho.

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Uma iniciativa local de sustentabilidade que me impressionou foi ver grupos de jovens a recolherem lixo e tintas das ruas durante o carnaval. Fazem-no voluntariamente, porque querem manter a sua cidade limpa. É um exemplo de como um evento tradicional pode coexistir com consciência ambiental.

Artesanato e cultura viva

Onde comprar sem ser enganado: evitem as lojas da Calle Real durante o carnaval – os preços inflacionam 200-300%. Vão aos bairros residenciais, onde os artesãos trabalham nas suas casas. Não só pagam preços justos como ainda veem o processo de criação.

Como apoiar artistas locais: comprem diretamente aos criadores, não a intermediários. Perguntem sobre a história das peças, mostrem interesse genuíno no trabalho deles. Muitos ficam tão contentes por partilhar as suas histórias que até oferecem descontos ou peças extra.

Reflexões finais – por que este carnaval me marcou

O que mudou em mim

Por que já estou a planear voltar? Porque o Carnaval de Negros y Blancos não é algo que se “faz” uma vez e fica completo. É uma experiência que cresce connosco, que se aprofunda a cada participação. Agora que conheço as tradições, que entendo os significados, que tenho contactos locais, sei que a próxima vez será ainda mais rica.

Não, não vou romantizar – também houve partes difíceis. O cansaço físico é real, a confusão às vezes é excessiva, e há momentos em que apetece fugir do caos. Mas essas dificuldades fazem parte da autenticidade da experiência. Num mundo onde tudo está cada vez mais comercializado e “sanitizado”, encontrar algo genuinamente caótico e imprevisível é refrescante.

Para quem recomendo: pessoas que gostam de cultura autêntica, que não têm medo de sair da zona de conforto, que valorizam experiências comunitárias mais do que luxo individual. Para quem não recomendo: quem procura entretenimento passivo, quem tem problemas de claustrofobia ou ansiedade em multidões, ou quem espera padrões de serviço turístico internacional.

Dicas finais que ninguém dá

Como otimizar os quatro dias principais: não tentem ver tudo. Escolham dois ou três momentos por dia para participar intensamente, e deixem tempo para descansar e processar as experiências. A qualidade da participação é mais importante que a quantidade de eventos que conseguem ver.

O que partilhar (e não partilhar) nas redes sociais: partilhem os momentos de alegria e comunidade, mas evitem fotos que possam ser mal interpretadas culturalmente. Lembrem-se que estão a representar não só vocês próprios, mas também a forma como os estrangeiros veem esta tradição.

Como ser um turista responsável: participem com respeito, aprendam algumas palavras em espanhol, contribuam economicamente para a comunidade local, e levem as vossas experiências como embaixadores da cultura pastusa quando voltarem a casa.

Despedida honesta

Enquanto revejo este artigo, recebo notificações no telemóvel de amigos que querem saber mais sobre Pasto. É gratificante ver o interesse, mas também me faz refletir sobre a responsabilidade de partilhar estas experiências. O Carnaval de Negros y Blancos é especial precisamente porque ainda não é um destino de turismo de massas.

Se decidirem ir, vão com respeito, com mente aberta, e com vontade genuína de aprender e participar. Não vão como espetadores, mas como participantes temporários numa tradição que é muito maior do que nós.

Estou disponível para esclarecer dúvidas específicas sobre logística e preparação, mas lembrem-se: a magia desta experiência está precisamente no inesperado, no caótico, no autêntico. Não tentem planear tudo ao pormenor – deixem espaço para a surpresa e para a descoberta acidental. É aí que residem os melhores momentos de qualquer viagem verdadeiramente transformadora.

Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.