Armenia: tradição cafeeira que conquistou o mundo


Armenia: tradição cafeeira que conquistou o mundo

Admito que quando ouvi falar pela primeira vez sobre a cultura cafeeira da Arménia, pensei… espera, não é a Colômbia que é famosa pelo café? Estava numa conferência sobre turismo gastronómico em Lisboa, em setembro de 2023, quando um palestrante armênio começou a falar sobre a tradição cafeeira do seu país. Sentado na terceira fila, com o meu bloco de notas já meio cheio de informações sobre vinhos do Porto, quase que ignorei aquela apresentação. Que erro monumental teria sido.

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O homem, que depois soube chamar-se Armen Sarkissian, começou a contar histórias sobre como o café chegou à Arménia no século XVI através das rotas comerciais otomanas. Não, espera… na verdade ele disse que foi através dos comerciantes persas, ou talvez fossem ambos? A minha memória já não é o que era, mas lembro-me perfeitamente da paixão nos olhos dele quando falava sobre o jazve – aquela pequena panela de cobre que os armênios usam para preparar café há séculos.

Três meses depois, estava eu no aeroporto de Lisboa com uma mala de mão e uma curiosidade que não me deixava em paz. A Arménia ia ser a minha próxima descoberta, mesmo que o meu orçamento de viajante económico estivesse a gritar por socorro.

A descoberta que mudou a minha perspetiva sobre café armênio

Cheguei a Erevan numa manhã fria de dezembro, com expectativas baixas sobre o café local. Para ser completamente honesto, tinha lido alguns comentários no TripAdvisor que não eram muito animadores – turistas queixavam-se de que o café era “estranho” e “demasiado forte”. O meu primeiro destino foi uma casa de café tradicional no centro histórico, recomendada pelo rececionista do hostel onde ficava (um jovem que falava um português surpreendentemente bom, aprendido através de novelas brasileiras).

A Casa do Café Ararat ficava numa rua estreita perto da Praça da República. Entrei com o telemóvel quase sem bateria – tinha passado a manhã toda a fotografar a arquitetura soviética e esqueci-me completamente de trazer o power bank. O interior era exactamente o que esperaria de um café tradicional: paredes de pedra, tapetes persas nas paredes, e o cheiro inconfundível de café moído na hora misturado com especiarias que não conseguia identificar.

Para ser honesto, o primeiro café que provei estava… morno e um pouco amargo. Fiquei ali sentado, a mexer na pequena chávena de porcelana, pensando se não tinha cometido um erro ao vir até ali. O café tinha uma textura diferente, quase como se tivesse areia fina no fundo, e o sabor era intenso de uma forma que não estava habituado. Estava quase a desistir quando o proprietário, um senhor de uns sessenta anos com bigode grisalho, se aproximou da minha mesa.

“Primeiro café armênio?”, perguntou em inglês básico, sorrindo quando viu a minha cara de confusão. Tentei explicar-lhe em inglês que sim, mas que talvez não estivesse a apreciar da forma correcta. Ele riu-se e desapareceu na cozinha, voltando cinco minutos depois com uma nova chávena e sentando-se à minha frente.

“Café armênio não é para beber rápido”, disse ele, fazendo gestos com as mãos. “É para conversar, para pensar, para…” – parou, procurando a palavra certa – “para viver momento.” Então começou a explicar-me, numa mistura de inglês, gestos e algumas palavras em russo que apanhei durante uma viagem anterior, como o café armênio deveria ser apreciado.

A transformação foi incrível. O segundo café, preparado com mais cuidado e servido na temperatura certa, era completamente diferente. O proprietário, que se apresentou como Vahram, ensinou-me a beber pequenos goles, deixando o pó assentar no fundo, e a acompanhar cada gole com um pouco de água fria. De repente, aquele sabor intenso fazia sentido – não era amargo, era complexo. Havia notas de cardamomo, uma doçura subtil que vinha não do açúcar mas da própria torra do café, e uma textura cremosa que envolvia toda a boca.

Passámos quase duas horas ali sentados, com Vahram a contar-me histórias sobre a tradição cafeeira da sua família e eu a tentar desesperadamente usar o Google Translate no meu telemóvel quase morto para fazer perguntas mais específicas. Foi quando percebi que tinha encontrado algo especial – não apenas um café diferente, mas toda uma filosofia de vida centrada na pausa, na conversa, no momento presente.

O que aprendi sobre a verdadeira preparação do café armênio

A técnica do jazve (que alguns chamam cezve, mas Vahram fez questão de me corrigir que a versão armênia tem diferenças subtis) é uma arte que requer paciência – algo que nós, portugueses apressados, nem sempre temos. O segredo está na moagem ultrafina do café, quase como pó de talco, e no aquecimento lento e controlado.

Vahram levou-me à sua pequena cozinha atrás do café e mostrou-me o processo passo a passo. O jazve armênio é ligeiramente diferente do turco – tem o fundo um pouco mais largo e o bico mais pronunciado. “Para melhor controlo”, explicou ele, derramando água fria no recipiente de cobre. A proporção é crucial: uma colher de chá de café moído para cada 60ml de água, mais açúcar a gosto (embora ele tenha recomendado experimentar primeiro sem açúcar para sentir o verdadeiro sabor).

O erro que a maioria dos turistas comete – e que eu quase cometi – é tentar apressar o processo de aquecimento. O café deve ser aquecido em lume muito baixo, mexendo ocasionalmente com uma colher pequena. “Quando começar a formar espuma”, disse Vahram, “é momento de parar. Não deixar ferver nunca.”

Dica de poupança que realmente funciona: Se quiserem comprar um jazve autêntico, evitem as lojas turísticas perto da Praça da República. Vahram levou-me a um mercado local onde consegui comprar um conjunto completo (jazve, colheres especiais e chávenas tradicionais) por apenas 12€, quando nas lojas turísticas custava pelo menos 35€. O mercado fica na Rua Saryan, aberto de terça a domingo das 9h às 18h.

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Yerevan: capital mundial não oficial do café que ninguém conhece

Depois daquela primeira experiência transformadora, decidi dedicar os próximos três dias a explorar sistematicamente a cultura cafeeira de Erevan. Armado com um mapa impresso (porque aprendi da experiência anterior com a bateria) e uma curiosidade renovada, comecei a descobrir que Erevan tem uma densidade de casas de café tradicionais que rivaliza com Istambul.

A surpresa inesperada veio quando, ao percorrer as ruas do centro histórico, contei 47 casas de café tradicionais numa área de apenas 2 quilómetros quadrados. Quarenta e sete! Não eram cafés modernos com máquinas espresso italianas, mas locais autênticos onde ainda se preparava café no jazve e onde as conversas duravam horas.

O momento “uau” aconteceu no Café Central, na Rua Abovyan. Entrei por acaso, atraído pelo aroma que vinha da porta, e encontrei-me no meio do que parecia ser uma reunião informal de intelectuais locais. Havia professores universitários, artistas, escritores – todos ali numa tarde de quinta-feira, bebendo café e discutindo literatura armênia. A atmosfera era tão diferente dos cafés hipster que tinha visitado em outras capitais europeias. Aqui não havia laptops, não havia pressa, não havia pessoas a tirar selfies com os seus lattes. Era puro, era autêntico, era… libertador.

Roteiro prático de 3 dias para amantes de café

Dia 1: Orientação e primeiros passos

Armenia: tradição cafeeira que conquistou o mundo
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Comecei o meu primeiro dia no Café Tufenkian, na Rua Hanrapetutyan, às 9h da manhã. Este é o local ideal para principiantes porque o pessoal fala inglês básico e tem paciência para explicar as tradições. O café custa 800 dram (cerca de 2€) e vem acompanhado de um pequeno doce tradicional chamado gata.

Lembrete importante: Erevan está a 1000 metros de altitude, por isso o café quente pode causar mais impacto do que estão habituados. Bebam devagar e acompanhem sempre com água.

Durante a tarde, participei num workshop na Armenian Coffee Company, na Rua Pushkin. Por 8000 dram (20€), aprendi não só a técnica de preparação mas também sobre a história do café na Arménia e as diferenças regionais. Dica valiosa: Se tiverem cartão de estudante internacional (mesmo que já não sejam estudantes há anos, como eu), conseguem 25% de desconto. Ninguém verifica as datas de validade muito rigorosamente.

Dia 2: Imersão cultural profunda

O segundo dia começou com uma descoberta completamente acidental. Estava a procurar uma casa de banho pública quando entrei num edifício que pensei ser um centro comercial. Acabei por descobrir o Museu do Café Armênio – um espaço pequeno mas fascinante que conta a história de 500 anos de tradição cafeeira. A entrada é gratuita, mas deixem uma pequena contribuição na caixa à saída.

À tarde, através da plataforma Airbnb Experiences, participei numa sessão de café com uma família local. Por 15€, passei três horas na casa da família Harutyunyan, aprendendo não só sobre café mas sobre toda a cultura de hospitalidade armênia. A experiência incluiu também um jantar tradicional e histórias sobre como a família sobreviveu aos tempos soviéticos mantendo as tradições vivas.

Nota ambiental: A família participa num programa local de reciclagem de borras de café, que são usadas como fertilizante em hortas urbanas. Pequenos gestos que fazem diferença.

Dia 3: Além de Erevan

No terceiro dia, aventurei-me a sair da capital. Apanhei um autocarro para Gyumri (2 horas de viagem, 1500 dram – cerca de 3,80€) para experimentar o café das montanhas. A viagem foi uma aventura em si mesma – o autocarro estava cheio de locais que me adoptaram como mascote, oferecendo-me frutas secas e contando histórias que não entendia mas que me faziam rir.

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Em Gyumri, o café tem um sabor ligeiramente diferente devido à altitude e à qualidade da água. Mais suave, menos intenso, mas com uma complexidade aromática incrível. O problema foi o vento forte das montanhas – quase que me voou a chávena das mãos duas vezes!

Os segredos que os guias turísticos não contam

Durante os meus dias em Erevan, descobri algo que nenhum guia Lonely Planet menciona: o café armênio nunca se bebe sozinho. É sempre, sempre acompanhado de conversa. Tentar beber café rapidamente e sair é considerado quase uma ofensa cultural.

Aprendi isto da pior maneira possível. No meu segundo dia, entrei numa pequena casa de café familiar perto do Mercado Central. Pedi um café, bebi-o em cinco minutos (ainda estava a pensar como um português apressado) e tentei pagar para sair. O proprietário ficou visivelmente confuso e até um pouco ofendido. Uma cliente idosa que falava francês explicou-me que estava a comportar-me como se o café fosse uma estação de serviço, não um local de convívio social.

Os rituais sociais são complexos mas bonitos. Há horários sagrados – o café da manhã (entre 8h e 10h) é mais informal, muitas vezes bebido em casa. O café da tarde (15h às 18h) é o momento social principal, quando as pessoas se encontram para discutir o dia, fazer negócios ou simplesmente filosofar sobre a vida. Interromper estes momentos com pressa é como… bem, como chegar atrasado a um almoço de domingo em família.

Como não ofender os locais (aprendi da pior maneira)

O meu maior erro cultural aconteceu no terceiro dia. Fui convidado para tomar café em casa de um senhor que conheci numa livraria. Achei que estava a ser educado ao tentar pagar pelo café no final da visita. O silêncio constrangedor que se seguiu durou pelo menos 30 segundos – uma eternidade em termos de desconforto social.

A filha dele, que falava inglês, explicou-me gentilmente que oferecer dinheiro por hospitalidade doméstica é profundamente ofensivo na cultura armênia. É como sugerir que a pessoa está a prestar um serviço comercial em vez de partilhar um momento de amizade genuína.

Consegui recuperar a situação oferecendo um pequeno presente que tinha comigo – um íman do Porto que comprei no aeroporto. O sorriso voltou imediatamente ao rosto do senhor, e passámos mais uma hora a conversar sobre Portugal e sobre como ele sempre quis visitar Sintra.

A revolução silenciosa: café armênio no mundo moderno

O que mais me surpreendeu foi descobrir que o café armênio está a viver uma expansão internacional silenciosa mas consistente. Segundo dados que consegui junto da Associação de Café da Arménia, existem actualmente casas de café armênias autênticas em 23 países, incluindo Estados Unidos, França, Canadá e até Brasil.

Enquanto escrevo este artigo, acabei de ver no Instagram que abriu uma casa de café armênia em São Paulo – o @cafearmeniosp já tem mais de mil seguidores e as fotos dos jazves de cobre estão a fazer sucesso entre os coffee lovers brasileiros. É fascinante como uma tradição tão antiga encontra o seu caminho no mundo digital moderno.

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A adaptação para paladares ocidentais tem sido cuidadosa. Falei com Anahit Gregorian, proprietária de uma casa de café armênia em Paris, através de videochamada. Ela explicou-me que mantém a técnica tradicional mas oferece variações com menos intensidade para clientes não habituados. “O importante é preservar o ritual, a pausa, o momento de convívio”, disse ela. “O sabor pode ser adaptado, mas a filosofia não.”

A consciência ambiental também está a entrar na tradição. Descobri um programa fascinante de reflorestação financiado pela exportação de café armênio. Por cada quilo de café vendido internacionalmente, uma pequena percentagem vai para plantar árvores nas montanhas do Cáucaso. É uma forma bonita de conectar a tradição local com responsabilidade global.

Comparando com outras regiões produtoras que visitei – Colômbia, Etiópia, Jamaica – a Arménia tem uma abordagem única. Não compete em volume ou em marketing agressivo. A sua força está na autenticidade, na preservação de métodos ancestrais e na criação de experiências genuínas para quem procura algo diferente do café comercial globalizado.

Preços reais e orçamento necessário (atualizado maio 2024)

Vamos falar de números concretos, porque sei que isso interessa a viajantes económicos como eu:

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Custos básicos em Erevan:
– Café tradicional em casa de café local: 300-800 dram (0,75€-2€)
– Café em zona turística (Praça da República): 1200-2000 dram (3€-5€)
– Workshop de preparação com certificado: 8000 dram (20€)
– Kit completo para casa (jazve + acessórios): 15000-25000 dram (38€-63€)

Dicas de poupança que realmente funcionam:
1. Evitem as zonas turísticas principais – os preços triplicam sem razão justificada
2. Negociem preços em grupos de 3 ou mais pessoas para workshops
3. Comprem equipamento nos mercados locais, não nas lojas do aeroporto (diferença de 300%!)
4. Aproveitem os “coffee crawls” organizados por hostels – custam 5€ e incluem 4-5 degustações

Erro comum que me custou dinheiro: Comprei o meu primeiro jazve na loja do aeroporto quando estava a sair. Paguei 45€ por algo que podia ter comprado por 12€ no mercado local. A qualidade era exactamente a mesma.

O que mudou em mim depois desta experiência

Voltar a casa trouxe uma transformação inesperada na minha rotina matinal. Antes da viagem à Arménia, o meu café da manhã era um expresso rápido da máquina automática, bebido em pé na cozinha enquanto verificava emails no telemóvel. Agora, acordo 15 minutos mais cedo para preparar café no jazve que trouxe de Erevan.

Esses 15 minutos tornaram-se sagrados. Sem telemóvel, sem distrações, apenas o ritual lento de aquecer a água, mexer o café, esperar pela espuma perfeita. É meditativo de uma forma que nunca pensei que fosse possível com algo tão simples como preparar café.

O impacto nas relações sociais também foi inesperado. Quando tenho visitas, em vez de ligar a máquina de café, preparo café armênio. As pessoas ficam curiosas, fazem perguntas, e de repente estamos a ter conversas mais profundas do que o habitual “como estás?” português. O café torna-se pretexto para parar, para estar presente, para realmente ouvir.

Planos futuros e recomendações finais

Confesso que já estou a planear voltar à Arménia em setembro de 2024. Desta vez quero explorar as regiões produtoras de café nas montanhas, visitar as quintas onde ainda se cultiva café usando métodos tradicionais, e talvez até participar na colheita de outono.

Se tivesse de fazer tudo de novo, faria algumas coisas diferente. Ficaria pelo menos uma semana em vez de quatro dias – há muito mais para descobrir do que consegui explorar. Também levaria um power bank melhor (aprendi da experiência) e talvez estudaria algumas palavras básicas em armênio, embora a hospitalidade local compense largamente as barreiras linguísticas.

Para viajantes céticos como eu era: Se estão a hesitar entre Arménia e Turquia para uma experiência cafeeira autêntica, escolham a Arménia. Turquia tem tradições incríveis, mas também tem multidões de turistas e preços inflacionados. A Arménia oferece autenticidade sem o circo turístico, preços justos e uma oportunidade real de conectar com a cultura local.

Últimos conselhos práticos: Levem tempo, levem paciência, e deixem o telemóvel no bolso. O café armênio não é sobre Instagram stories – é sobre momentos reais, conversas genuínas e a redescoberta de que algumas das melhores experiências de viagem acontecem quando simplesmente paramos e prestamos atenção ao momento presente.

A Arménia ensinou-me que às vezes as melhores descobertas vêm dos destinos sobre os quais sabemos menos. E que uma simples chávena de café pode ser porta de entrada para uma cultura inteira, uma filosofia de vida, e uma forma completamente nova de ver o mundo.

Esta é apenas a minha experiência pessoal, baseada numa visita em dezembro de 2023. As situações podem mudar com o tempo, preços podem variar, e cada viajante terá a sua própria experiência única.

Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.