Cabo de la Vela: onde o deserto beija o mar


Cabo de la Vela: onde o deserto beija o mar

Quando vi aquela foto no Instagram – uma praia infinita onde dunas de areia se encontravam com águas turquesa – soube imediatamente que tinha de ir. Bem, na verdade não foi bem assim… primeiro pensei “isto deve ser photoshop”, depois “deve ser perigoso”, e só então “tenho mesmo de ir”. Era março de 2024, e eu estava farto da rotina de Lisboa, precisava de algo que me tirasse da zona de conforto. Cabo de la Vela, na Colômbia, parecia ser exatamente isso.

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A verdade é que não sabia praticamente nada sobre este lugar. Só sabia que ficava na península de La Guajira, que era território Wayuu, e que não havia muito sinal de telemóvel. Esta última parte deixou-me genuinamente ansioso – como é que ia partilhar as fotos? Como ia usar o GPS? E se precisasse de chamar alguém? Estas preocupações parecem ridículas agora, mas na altura eram muito reais.

Lembro-me de passar horas a pesquisar sobre segurança, sobre como chegar lá, sobre o que levar. Cada artigo que lia trazia uma opinião diferente, uns diziam que era seguro, outros falavam de histórias assustadoras. No final, decidi confiar no instinto e reservei uma semana. Afinal, quantas vezes na vida temos a oportunidade de ver um lugar onde o deserto literalmente beija o mar?

A preparação foi uma aventura em si mesma. Comprei protetor solar como se fosse para o Saara, levei mais água do que para uma semana de festival, e – confesso – descarreguei mapas offline como se a minha vida dependesse disso. Spoiler: dependia mesmo.

A jornada até ao fim do mundo (ou quase)

De Riohacha para o desconhecido

A viagem começou em Riohacha, uma cidade costeira que serve como porta de entrada para La Guajira. Acordei às 6h30 da manhã, não porque quisesse, mas porque o calor já estava insuportável e sabia que quanto mais tarde saísse, pior seria. O plano era apanhar um dos famosos jeeps 4×4 que fazem o trajeto até Cabo de la Vela. Simples, certo? Errado.

Primeiro, tive de negociar o preço. O primeiro condutor pediu-me 80.000 pesos colombianos (cerca de 18 euros), o que me pareceu excessivo para uma viagem de duas horas. Depois de meia hora de negociação – e de ver outros turistas a pagar preços diferentes – consegui baixar para 60.000 pesos. A dica aqui é simples: nunca aceitem o primeiro preço, e se virem outros turistas, tentem juntar-se para dividir custos.

O jeep era… bem, chamemos-lhe “autêntico”. Bancos de plástico, ar condicionado inexistente, e música vallenato a um volume que tornava qualquer conversa impossível. Mas o condutor, um senhor Wayuu chamado Miguel, tinha um sorriso contagiante e uma paciência infinita com as minhas perguntas em espanhol claudicante.

O momento em que o asfalto desaparece

Cerca de 30 minutos depois de sair de Riohacha, aconteceu. O asfalto simplesmente… acabou. De repente estávamos numa estrada de terra que mais parecia um rali do Dakar. Foi nesse momento que percebi que não havia volta atrás.

A paisagem começou a mudar drasticamente. As árvores foram desaparecendo, a vegetação tornou-se mais esparsa, e o horizonte começou a parecer infinito. Honestamente, houve um momento – quando o jeep começou a fazer um barulho estranho e Miguel parou para verificar algo no motor – em que pensei “em que me meti?”. Mas depois ele sorriu, disse “todo bien”, e continuámos.

Cabo de la Vela: onde o deserto beija o mar
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Durante a viagem, Miguel contou-me histórias sobre a sua comunidade, sobre como o turismo tinha mudado a vida deles (para melhor, na sua opinião), e sobre a importância de respeitar a terra. Estas conversas foram das mais valiosas de toda a viagem. Aprendi que os Wayuu têm uma relação com este território que vai muito além do que qualquer turista pode compreender numa semana.

Quando o GPS deixa de funcionar e a magia começa

A primeira coisa que notei quando chegámos foi o silêncio. Não aquele silêncio da cidade de madrugada, mas um silêncio absoluto, quase ensurdecedor. O segundo foi o vento – constante, quente, carregado de sal e areia. E depois… a vista.

Não, enganei-me. A primeira coisa que notei foi que o meu telemóvel não tinha sinal nenhum. Zero barras. Panic mode ativado por uns cinco segundos, até perceber que isso era exatamente o que precisava. Quando foi a última vez que estiveram completamente desconectados? Para mim, tinha sido há anos.

A vista era… como descrever? Imaginem dunas douradas que se estendem até onde a vista alcança, interrompidas apenas por um mar de um azul tão intenso que parece artificial. E no meio de tudo isto, algumas cabanas tradicionais Wayuu, feitas de barro e palha, que pareciam ter crescido naturalmente da própria terra.

A família que me acolheu – dona Carmen e os seus filhos – recebeu-me com uma hospitalidade que me deixou genuinamente emocionado. Não falavam inglês, o meu espanhol era básico, mas de alguma forma comunicámos perfeitamente. A linguagem universal da hospitalidade, suponho.

Foi aqui que percebi que estava num lugar especial. Não apenas pelas paisagens (que são de facto espetaculares), mas pela sensação de estar num dos últimos lugares do mundo onde o tempo ainda corre de forma diferente. Onde as pessoas ainda olham nos olhos quando falam, onde o pôr do sol é um evento diário que toda a comunidade para para observar.

A minha “cama” era uma rede numa cabana aberta, com vista direta para o mar. A princípio fiquei preocupado com a privacidade, com o conforto, com mil coisas. Mas na primeira noite, deitado naquela rede, ouvindo apenas o som das ondas e do vento, percebi que tinha encontrado algo que nem sabia que estava à procura.

Paisagens que desafiam a lógica (e o Instagram)

O Pilón de Azúcar: o farol no fim do mundo

No segundo dia, decidi explorar a zona mais famosa: o Pilón de Azúcar. É uma formação rochosa que se ergue do mar como uma sentinela antiga, e que se tornou no cartão-postal de Cabo de la Vela. A caminhada até lá é curta mas intensa – cerca de 20 minutos sob um sol que não perdoa.

Levei a minha câmara, claro, mas rapidamente percebi a frustração de tentar capturar aquela imensidão. Por mais que tentasse, nenhuma foto conseguia transmitir a sensação de infinito que se sente ali. A escala é simplesmente impossível de reproduzir numa imagem. É preciso estar lá, sentir o vento, ouvir o silêncio, cheirar o sal misturado com a areia quente.

Subir ao topo do Pilón foi uma das experiências mais marcantes da viagem. Lá em cima, com 360 graus de vista sobre o deserto e o mar, senti-me simultaneamente minúsculo e parte de algo muito maior. É um daqueles momentos que nos fazem questionar as nossas prioridades diárias, os nossos problemas urbanos que de repente parecem tão insignificantes.

Cabo de la Vela: onde o deserto beija o mar
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Praias que não parecem reais

As praias de Cabo de la Vela são diferentes de tudo o que já vi. Não são as típicas praias tropicais com coqueiros e areias brancas. São praias selvagens, onde dunas de areia vermelha encontram águas turquesa, onde não há uma única sombra natural, onde o vento nunca para.

A Playa Dorada foi a que mais me impressionou. O nome diz tudo – a areia tem mesmo tons dourados que mudam conforme a luz do dia. De manhã é mais clara, ao meio-dia fica quase branca, e ao final da tarde transforma-se numa paleta de dourados e laranjas que parece saída de um sonho.

Aqui descobri algo importante: a melhor altura para fotografar não é o pôr do sol (como toda a gente pensa), mas sim o final da tarde, cerca de uma hora antes. A luz é mais suave, as cores mais saturadas, e há menos turistas. Esta dica custou-me várias tentativas falhadas e muitas fotos queimadas pelo sol do meio-dia.

Nadar nestas águas é uma experiência única. A água é surpreendentemente fresca, um contraste delicioso com o calor escaldante do deserto. Mas atenção: as correntes podem ser fortes, e não há salva-vidas. É importante respeitar o mar e nunca nadar sozinho.

A vida no deserto: lições dos Wayuu

Uma das experiências mais enriquecedoras foi conviver com a família Wayuu que me acolheu. Dona Carmen, uma senhora de 60 e poucos anos com um sorriso que iluminava qualquer conversa, ensinou-me mais sobre sustentabilidade em três dias do que anos de documentários ambientais.

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Vi como eles aproveitam cada gota de água (que é escassa e preciosa), como constroem as suas casas para aproveitar as brisas naturais, como vivem em harmonia com um ambiente que, para mim, parecia hostil. Percebi o quanto não sabia sobre viver em sintonia com a natureza, sobre encontrar beleza na simplicidade.

A comida foi uma aventura à parte. Peixe fresco grelhado, arroz com coco, patacones (bananas fritas), e uma infinidade de pratos que nunca tinha provado. Tudo simples, tudo delicioso, tudo preparado com ingredientes locais. Houve algumas surpresas digestivas – o meu estômago lisboeta não estava habituado a tanta comida condimentada – mas nada que não se resolvesse com paciência e muita água.

O que mais me marcou foi a generosidade. Apesar de terem pouco em termos materiais, partilhavam tudo comigo. As refeições, as histórias, os conhecimentos sobre a terra. Em troca, eles apenas pediam respeito – pela sua cultura, pela sua terra, pela sua forma de vida.

Esta experiência fez-me refletir muito sobre turismo responsável. É fácil chegar a um lugar como este, tirar as nossas fotos, e ir embora sem pensar no impacto que deixamos. Mas estes lugares e estas comunidades merecem muito mais do que isso. Merecem que os visitemos com humildade, que aprendamos com eles, e que contribuamos de forma positiva para a sua economia local.

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O que levar (e o que deixar em casa)

Depois de uma semana em Cabo de la Vela, posso dizer com certeza: a preparação é meio caminho andado para uma boa experiência. Algumas coisas que levei foram essenciais, outras foram completamente inúteis.

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Essencial mesmo: Protetor solar fator 50+ (e não é exagero), chapéu com abas largas, óculos de sol de qualidade, roupa leve mas que cubra braços e pernas, sandálias resistentes, e muita, muita água. Descobri que podia poupar cerca de 40% comprando água em grandes quantidades em Uribia, a última cidade antes de Cabo de la Vela, em vez de comprar na zona turística.

Completamente inútil: O secador de cabelo que levei (não há eletricidade constante), metade da roupa que embalei (três mudas são suficientes), e o repelente de insetos caro que comprei em Lisboa (os locais não são problemáticos).

Esqueci-me e fez falta: Power bank de alta capacidade (o meu telemóvel morria rapidamente com o calor), toalhas extra (as que levei demoravam eternos a secar), e medicamentos básicos para problemas estomacais.

Onde dormir sem morrer de calor

As opções de alojamento em Cabo de la Vela são limitadas mas autênticas. Podem escolher entre redes tradicionais nas cabanas Wayuu (a minha opção), pequenas pensões familiares, ou acampamento na praia. Cada opção tem os seus prós e contras.

As redes são surpreendentemente confortáveis, mas requerem um período de adaptação. A primeira noite foi complicada – não conseguia encontrar a posição certa, preocupava-me em cair, o vento fazia barulho na palha do teto. Mas a partir da segunda noite, dormi como um bebé. A brisa constante funciona como ar condicionado natural, e acordar com vista direta para o mar não tem preço.

Para quem não se adapta às redes, há algumas pensões com camas tradicionais, mas são mais caras e, na minha opinião, menos autênticas. O acampamento é uma opção para os mais aventureiros, mas atenção ao vento – pode ser muito intenso durante a noite.

Dica importante: Levem um saco-cama leve. As noites podem ser surpreendentemente frescas devido ao vento constante, e nem todos os alojamentos fornecem mantas suficientes.

O pôr do sol que mudou a minha perspetiva

Foi no quarto dia que aconteceu. Estava sentado numa duna, a ver o sol descer lentamente em direção ao horizonte, quando percebi que não tinha pegado no telemóvel há horas. Não para tirar fotos, não para verificar mensagens (que não chegavam anyway), simplesmente não tinha pensado nele.

Quando foi a última vez que isso vos aconteceu? Para mim, tinha sido há anos. Sempre com o telemóvel na mão, sempre a verificar notificações, sempre a documentar cada momento em vez de o viver. Ali, naquele pôr do sol que pintava o céu de tons de laranja, rosa e roxo que nem sabia que existiam, estava finalmente presente.

O pôr do sol em Cabo de la Vela não é apenas um fenómeno natural, é quase um ritual comunitário. Toda a gente para o que está a fazer e observa. Não há pressa, não há conversas altas, apenas contemplação silenciosa. É um momento de pausa que, nas nossas vidas urbanas, raramente nos permitimos.

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Comparando com outros pores do sol famosos que já vi – Santorini, Bali, Key West – este tinha algo diferente. Talvez fosse a vastidão do deserto, talvez fosse o silêncio absoluto, ou talvez fosse simplesmente o facto de estar completamente desconectado do mundo digital. Seja como for, foi transformador.

Nessa noite, deitado na rede, olhando para mais estrelas do que alguma vez tinha visto (a poluição luminosa aqui é zero), senti uma paz que não experimentava há muito tempo. Acabei de receber uma mensagem de um amigo a perguntar se Cabo de la Vela vale a pena… e honestamente, não sei como responder. Como explicar que um lugar pode mudar a nossa perspetiva sobre o que é realmente importante na vida?

Voltar ou não voltar: eis a questão

Agora, passados alguns meses, ainda penso regularmente em Cabo de la Vela. Não apenas nas paisagens espetaculares ou nas fotos que tirei, mas na sensação de simplicidade, na hospitalidade genuína dos Wayuu, na paz que encontrei naquele silêncio desértico.

Seria honesto se dissesse que foi tudo perfeito? Não. O calor era por vezes insuportável, a falta de comodidades básicas foi ocasionalmente frustrante, e sim, houve momentos em que senti falta de um duche quente e de uma cama normal. Mas essas pequenas dificuldades fazem parte da experiência, e no final tornaram-na ainda mais memorável.

Para quem está a considerar ir: façam-no, mas façam-no pelas razões certas. Se procuram resort com piscina e room service, este não é o vosso lugar. Se procuram uma experiência autêntica, contacto genuíno com uma cultura diferente, e paisagens que vos vão tirar o fôlego, então Cabo de la Vela é perfeito.

Ainda não sei se voltaria… ou talvez seja exatamente isso que me atrai. A incerteza, a aventura, a possibilidade de voltar a sentir-me tão pequeno e tão conectado ao mesmo tempo. O que sei é que este lugar me ensinou que às vezes precisamos de nos perder para nos encontrarmos, e que os melhores destinos são aqueles que nos mudam por dentro.

Uma última reflexão: lugares como Cabo de la Vela são frágeis. O aumento do turismo pode facilmente destruir aquilo que os torna especiais. Por isso, se forem, façam-no com respeito, com humildade, e com a consciência de que são visitantes numa terra que não vos pertence. Apoiem a economia local, respeitem os costumes Wayuu, e deixem apenas pegadas na areia.

Afinal, alguns paraísos merecem ser preservados, não conquistados.

Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.