Jericó: terra de santos e milagres cotidianos
Jericó: terra de santos e milagres cotidianos
Confesso que quando o autocarro dobrou aquela última curva e Jericó apareceu entre o nevoeiro matinal, a minha primeira reação foi… bem, deceção. “Espera, isto não é o que esperava”, murmurei para mim mesmo, enquanto tentava ligar os dados móveis para confirmar se estava mesmo no sítio certo. O GPS tinha perdido sinal há quilómetros e eu estava completamente às cegas. Mas então, como se alguém lá em cima tivesse decidido fazer um pequeno milagre só para mim, o nevoeiro começou a dissipar-se lentamente, revelando uma pequena cidade colombiana que parecia ter saído de um postal antigo. E foi nesse momento que percebi: às vezes as melhores viagens começam exatamente quando as nossas expectativas são completamente destruídas.
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O que me trouxe a esta pequena cidade colombiana
Para ser completamente honesto, eu não era – e ainda não sou – um crente fervoroso. A minha relação com a fé sempre foi… complicada. Mas há cerca de dois meses, enquanto fazia scroll no Instagram às 7h30 da manhã (sim, sou dessas pessoas que acorda e vai logo para o telemóvel), deparei-me com um story da minha amiga Carolina. Ela tinha partilhado uma foto de uma pequena basílica com uma luz dourada incrível e a legenda: “Jericó mudou-me para sempre”.
Intrigado, comecei a pesquisar. E aí começou a minha frustração digital moderna: informações contraditórias por todo o lado. Uns sites diziam que era preciso reservar com antecedência, outros que se podia aparecer sem mais. Alguns blogs falavam de multidões insuportáveis, outros de paz absoluta. A verdade é que, em 2025, ainda é surpreendentemente difícil encontrar informação atualizada sobre destinos menos mainstream na Colômbia.
O erro mais comum – e eu quase caí nele – é planear ir direto à Basílica Menor de la Inmaculada Concepción e ignorar completamente o resto da cidade. Felizmente, a Carolina avisou-me: “João, não sejas turista, sê peregrino por um dia. Explora tudo”. E que bom conselho foi esse.
Acabei por reservar tudo à última hora, numa quinta-feira às 23h, aproveitando uma promoção de hotel que apareceu no Booking. Primeira dica para poupar dinheiro: as reservas de última hora em Jericó podem ser 30-40% mais baratas, especialmente entre terça e quinta-feira. A minha maior preocupação? A bateria do telemóvel. Sei que parece ridículo, mas quando se está a viajar sozinho numa cidade desconhecida, o telemóvel torna-se literalmente a nossa linha de vida.
Primeira impressão: entre o sagrado e o quotidiano
Três horas de autocarro desde Medellín. Três horas que pareceram uma eternidade, especialmente porque o ar condicionado avariou a meio do caminho e eu comecei a questionar todas as minhas decisões de vida. Mas chegando a Jericó, a primeira coisa que me bateu foi o contraste absoluto: de um lado, vendedores ambulantes a gritar os preços das empanadas, do outro, grupos de peregrinos em silêncio contemplativo, alguns de joelhos na praça principal.
Confundi-me logo com as ruas. Não, na verdade enganei-me – a rua principal não é a Carrera 4 como pensava, mas sim a Carrera 5. Pequenos detalhes que fazem toda a diferença quando se está com a mochila às costas e o sol a bater forte. Foi quando uma senhora idosa, que estava a varrer a porta de casa, me ofereceu um café e me orientou corretamente. “Mijo, você está perdido?”, perguntou com aquele sotaque paisa que derrete qualquer coração.
A Casa onde nasceu a Madre Laura estava completamente diferente das fotos que tinha visto online. Mais pequena, mais íntima, mais… real. E foi aí que descobri algo que poucos turistas encontram: um pequeno altar escondido numa rua paralela, mantido por uma família local há três gerações. Não está em nenhum guia, não tem placa, não está no Google Maps. É só uma pequena gruta com uma imagem de Nossa Senhora e sempre flores frescas.
Ah, e uma observação completamente fora do tema: os gatos de Jericó. Estão por todo o lado e parecem ter um papel quase espiritual na cidade. Sério, é como se fossem guardiões silenciosos de cada esquina sagrada.
Claro que nem tudo foram rosas. Os fins de semana são uma loucura completa – multidões de turistas religiosos chegam em autocarros fretados desde Medellín e Bogotá. Encontrar um momento de silêncio e reflexão torna-se quase impossível. E os preços? Inflacionados ao máximo perto dos locais sagrados. Uma garrafa de água que custa 2.000 pesos numa loja normal, custa 5.000 pesos ao lado da basílica.
Os locais que realmente importam (e alguns que me surpreenderam)
Basílica Menor de la Inmaculada Concepción
A diferença entre visitar de manhã cedo e à tarde é como estar em dois planetas diferentes. Cheguei lá às 6h30 da manhã (dica crucial: evita completamente as multidões e poupas pelo menos 30 minutos de espera em fila), e a experiência foi transcendental. A luz dourada da manhã entrava pelas janelas coloridas criando um espetáculo de cores no chão de mármore. O silêncio era quase palpável, quebrado apenas pelo sussurro de orações e pelo som dos meus próprios passos.
À tarde, a energia era completamente diferente. Mais fervor popular, mais emoção coletiva, mais… humanidade, se é que posso dizer assim. Vi pessoas a chorar, outras a sorrir em êxtase, algumas simplesmente em contemplação silenciosa. E eu, no meio disto tudo, ainda a tentar perceber o que estava a sentir.
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Enquanto escrevo este artigo, ainda sinto o arrepio daquele momento quando me sentei num banco da última fila e simplesmente… existir ali. Não sei explicar melhor.
Casa Museo Madre Laura
Esperava uma visita rápida e protocolar. Encontrei uma experiência que me marcou profundamente. O guia local – um senhor de 70 anos que conhece cada pedra daquela casa – partilhou histórias que nunca vi documentadas em lado nenhum. Histórias sobre os milagres quotidianos que ainda acontecem, sobre as cartas que chegam de todo o mundo, sobre as pessoas que chegam desenganadas e saem transformadas.
Aqui vai uma dica valiosa: se conseguires juntar-te a um grupo de peregrinos locais, a entrada é gratuita. Caso contrário, são 10.000 pesos, que honestamente vale cada centavo. Descobri uma carta manuscrita da própria Madre Laura que me emocionou tanto que não consigo partilhar aqui sem fazer spoilers da experiência.
Consegui filmar um pequeno vídeo da sala onde ela nasceu – apenas 30 segundos, respeitando as regras do local – que publiquei no TikTok e, para minha surpresa, tornou-se viral com mais de 50.000 visualizações. Às vezes a espiritualidade encontra formas modernas de se espalhar.
O lugar que ninguém menciona
A Capela do Sagrado Coração. Fica numa rua paralela à Carrera 5, praticamente escondida entre duas casas coloniais. Descobri-a por puro acaso quando me perdi (de novo) a tentar encontrar uma farmácia. É minúscula, cabe talvez 20 pessoas, mas tem uma energia completamente diferente de todos os outros locais sagrados da cidade.
O ambiente é muito mais íntimo, quase familiar. Não há multidões de turistas, não há vendedores ambulantes na porta, não há pressão para tirar a foto perfeita. É apenas um espaço pequeno onde as pessoas da comunidade local vão rezar, acender velas, ou simplesmente sentar-se em silêncio.
Cuidado com os horários: fecha inesperadamente às 17h, sem aviso prévio. Descobri isto da pior forma quando voltei ao final do dia e encontrei tudo fechado. O zelador, um homem simpático chamado Don Carlos, contou-me que a capela foi construída com donativos da comunidade nos anos 60, depois de uma série de “milagres pequenos” – curas de doenças menores, encontros de objetos perdidos, reconciliações familiares. “Aqui não acontecem milagres grandes”, disse-me, “mas acontecem muitos milagres pequenos todos os dias”.
A comida, a hospedagem e as pessoas (a parte humana da peregrinação)
Descobri o melhor restaurante de Jericó por puro acaso. Estava à procura de um sítio para almoçar quando começou a chover torrencialmente. Corri para o primeiro local coberto que encontrei: uma pequena casa com uma placa quase invisível que dizia “Restaurante Doña María”. Não está no Google Maps, não tem reviews no TripAdvisor, não tem presença online. É apenas uma senhora de 60 anos que cozinha na sala da frente da sua própria casa.
O sancocho de gallina criolla que ela me serviu mudou completamente a minha perspetiva sobre a gastronomia colombiana. Não era apenas comida, era amor servido numa tigela. E o preço? 15.000 pesos, enquanto nos restaurantes da praça principal pagaria pelo menos 25.000 pelo mesmo prato (e provavelmente com menos sabor).
A dica de ouro para poupar 40% na alimentação: evita completamente os restaurantes da praça principal. Caminha duas ou três ruas para dentro e encontrarás autênticos tesouros gastronómicos mantidos por famílias locais. E leva sempre dinheiro físico – muitos destes locais ainda não aceitam cartão ou pagamentos digitais.
Quanto ao alojamento, tive de escolher entre um hotel moderno no centro ou uma casa de família recomendada pela Carolina. Escolhi a casa de família e foi uma das melhores decisões da viagem. Não só poupei dinheiro (60.000 pesos por noite vs. 120.000 no hotel), como tive uma experiência cultural autêntica.
A dona da casa, Doña Carmen, todas as noites depois do jantar sentava-se comigo na varanda a contar histórias sobre os “milagres quotidianos” que presencia há 40 anos a viver em Jericó. E aqui entra a minha sugestão sustentável: escolher hospedagem local não só reduz a pegada de carbono (menos recursos consumidos que num hotel grande), como apoia diretamente a economia familiar da comunidade.
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A conexão humana mais inesperada aconteceu com um peregrino argentino de 45 anos que conheci na basílica. Estávamos os dois sentados no mesmo banco, em silêncio, quando ele me sussurrou: “É a primeira vez que venho aqui sem saber o que pedir”. Acabámos por passar duas horas a conversar sobre fé, dúvidas, e a diferença entre buscar milagres e aceitar mistérios. Uma conversa que me marcou mais que qualquer sermão.
Houve também uma criança local, o pequeno Andrés de 8 anos, que se tornou o meu “guia improvisado” e me mostrou atalhos que só quem nasceu ali conhece. Em troca, ensinei-lhe algumas palavras em português e mostrei-lhe fotos de Portugal no telemóvel. Conexões simples que tornam uma viagem inesquecível.
Tive um momento de vulnerabilidade no segundo dia, quando acordei e questionei se estava mesmo no lugar certo. Talvez fosse o cansaço, talvez a sobrecarga emocional, mas senti-me completamente deslocado. Foi a Doña Carmen que me trouxe de volta à realidade com uma frase simples: “Mijo, às vezes vimos procurar Deus e encontramos é a nós mesmos”.
O que aprendi sobre turismo religioso (e sobre mim mesmo)
A diferença entre turismo e peregrinação não está no destino, está na intenção. Percebi isto quando vi grupos de turistas a correr de local em local, a tirar selfies em todos os altares, a comprar souvenirs religiosos em massa. Não os julgo – eu próprio comecei assim – mas há uma diferença palpável entre consumir uma experiência espiritual e permitir que ela te consuma.
Aprendi a respeitar o espaço sagrado mesmo sendo não-praticante. Há regras não escritas: falar baixo, desligar o telemóvel, não fotografar pessoas em oração, vestir-se adequadamente. Mas mais importante que as regras é a atitude: estar presente, ser respeitoso, reconhecer que para muitas pessoas aquele espaço representa algo sagrado e transformador.
Para ser honesto, cheguei cético e saí… não convertido, mas transformado. Não encontrei Deus em Jericó, mas encontrei uma versão mais compassiva de mim mesmo. Compreendi a diferença entre fé e espiritualidade, entre milagres grandiosos e pequenas graças quotidianas.
Descobri um ritual simples que qualquer pessoa pode fazer, independentemente das suas crenças: sentar-se em silêncio durante 10 minutos e simplesmente observar. Observar as pessoas, observar os próprios pensamentos, observar a vida a acontecer. É meditação, é contemplação, é presença pura. E funciona em qualquer lugar sagrado do mundo.
A melhor altura para visitar Jericó é entre março e maio, ou setembro e novembro. Evita dezembro e janeiro (época alta de peregrinações), e julho (férias escolares colombianas). O clima é mais ameno e há menos multidões.
O que levar: roupa confortável e respeitosa (nada de shorts ou decotes), calçado cómodo para caminhar em ruas de pedra, chapéu ou boné para o sol, e – fundamental – um power bank potente. Vais querer documentar momentos, mas também vais precisar do telemóvel para navegação e comunicação.
O erro que quase cometi e que te aconselho vivamente a evitar: tentar fazer tudo num só dia. Jericó merece pelo menos duas noites. Precisa de tempo para absorver a atmosfera, para conversar com locais, para encontrar os teus próprios momentos de reflexão.
Informações práticas (que gostava de ter sabido antes)
Como chegar desde Medellín: Autocarros da empresa Rápido Ochoa saem de hora a hora desde a Terminal del Norte (25.000 pesos, 3 horas de viagem). Compra o bilhete online para garantir lugar, especialmente aos fins de semana. Alternativa mais económica: autocarro até Andes (15.000 pesos) e depois transporte local até Jericó (8.000 pesos), mas demora mais uma hora.
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Desde Bogotá: Voo até Medellín (desde 150.000 pesos com promoções) e depois autocarro. Ou autocarro direto (12-14 horas, desde 80.000 pesos), mas só recomendo se tiveres estômago para viagens longas.

Transporte local: A cidade é pequena e percorre-se a pé facilmente. Para locais mais afastados, há mototaxis (5.000-10.000 pesos por trajeto). Segredo que os locais partilharam: pede sempre o preço antes de subir.
Orçamento realista por dia:
– Hospedagem casa de família: 60.000-80.000 pesos
– Alimentação (evitando armadilhas turísticas): 40.000-60.000 pesos
– Transporte local: 10.000-20.000 pesos
– Entradas e donativos: 20.000-30.000 pesos
– Total: 130.000-190.000 pesos (35-50 euros)
Onde economizar sem perder qualidade: hospedagem local vs. hotel, restaurantes familiares vs. turísticos, caminhar vs. mototaxis para distâncias curtas.
Gastos inesperados que surgiram: donativos espontâneos (impossível resistir quando vês o impacto na comunidade), souvenirs artesanais (muito mais caros que esperava), e taxas de estacionamento se vieres de carro próprio.
Código de vestimenta não escrito: Nada muito rigoroso, mas evita shorts muito curtos, camisolas sem mangas, ou roupas muito justas. É mais uma questão de respeito que de regras rígidas.
Como fotografar respeitosamente: Nunca fotografes pessoas em oração sem permissão, evita flash dentro das igrejas, e lembra-te que alguns momentos são para viver, não para documentar.
Cuidados com pertences: Jericó é muito seguro, mas como qualquer destino turístico, há pequenos furtos ocasionais. Deixei sempre a carteira e documentos importantes na hospedagem e levei apenas o necessário para o dia. O meu telemóvel esteve sempre seguro, mas vi turistas distraídos a deixá-lo em mesas de café.
A viagem de volta foi contemplativa. Três horas de autocarro para processar tudo o que tinha vivido. Jericó não é apenas um destino de turismo religioso – é um lugar onde o sagrado e o quotidiano se misturam de forma tão natural que é impossível distinguir onde termina um e começa o outro.
Se fores, escreve-me. Quero saber da tua experiência, quero saber se encontraste os mesmos locais escondidos, se sentiste a mesma energia transformadora. E já agora, acabei de receber uma mensagem de um leitor que foi a Jericó depois de ler um rascunho deste artigo. Disse-me que encontrou a Capela do Sagrado Coração e que Don Carlos ainda lá está, ainda a contar as mesmas histórias sobre milagres pequenos.
Algumas coisas, felizmente, nunca mudam.
Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.