Mompox: cidade fantasma que o tempo esqueceu
Mompox: cidade fantasma que o tempo esqueceu
Estava a percorrer o Instagram quando me deparei com uma foto de uma rua de pedra que parecia saída de um filme de época. “Mompox, Colômbia – Património Mundial da UNESCO”, dizia a legenda. A minha primeira reação foi um suspiro cansado. Mais uma cidade colonial que todos dizem ser “imperdível”, pensei. Já tinha visitado Cartagena, Antigua, Cusco… todas lindas, mas também todas cheias de turistas a tirar selfies nos mesmos ângulos. Contudo, havia algo naquela imagem que me intrigava. Talvez fosse o silêncio que conseguia sentir através do ecrã, ou a forma como a luz dourada batia nas fachadas coloniais sem uma alma viva à vista. Decidi arriscar.
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Enquanto escrevo isto, ainda tenho areia do rio Magdalena nos sapatos e uma sensação estranha de ter viajado numa máquina do tempo que se avariou a meio caminho. Mompox não é apenas uma cidade histórica – é um lugar onde o século XXI ainda não chegou completamente, e isso tanto pode ser uma bênção como uma maldição, dependendo do tipo de viajante que és.
A jornada até ao fim do mundo (ou quase)
Pensei que as 2h30 de viagem desde Cartagena seriam tranquilas. Tinha lido isso em vários blogs de viagem, todos eles aparentemente escritos por pessoas que nunca fizeram esta viagem ou que têm uma noção muito particular do que significa “tranquilo”. Espera, não foram 2h30, foram quase 4 horas porque o autocarro avariou a meio caminho e tivemos que esperar por outro.
O autocarro era um daqueles veículos que já tinham visto melhores dias – ventoinhas que faziam mais barulho do que ar fresco, assentos que pareciam ter sido desenhados por alguém que odiava a coluna vertebral humana, e um ar condicionado que funcionava apenas na teoria. A meio da viagem, olhei para o meu telemóvel: 15% de bateria e, claro, tinha-me esquecido do power bank em casa. Naquele momento, senti aquela ansiedade moderna que todos conhecemos – a de ficar desconectado do mundo digital.
Quanto aos custos, se estás a pensar em alternativas, o autocarro custa cerca de 25.000 pesos colombianos (uns 6 euros), um carro alugado sairia por volta de 150.000 pesos por dia (mais combustível), e os tours organizados rondam os 200.000 pesos por pessoa. Fiz as contas e, mesmo com o desconforto, o autocarro era claramente a opção mais sensata para o meu orçamento.
Será que me enganei? Esta foi a pergunta que me martelava a cabeça quando finalmente cheguei a Mompox. O calor era opressivo – daquele tipo húmido que te faz suar só de respirar.
Mas depois, quando caminhei pelas primeiras ruas de pedra do centro histórico, algo mudou. O cheiro do rio misturava-se com o aroma de comida caseira que saía das casas coloniais. Os pássaros cantavam alto, como se fossem os donos da cidade. E curiosamente, os cães da rua pareciam mais relaxados que os turistas – talvez porque soubessem algo que nós não sabíamos sobre o ritmo certo para viver neste lugar.
Quando o rio era rei – história que se sente na pele
História nunca foi o meu forte – sempre fui mais do tipo que prefere experiências a datas e nomes. Mas aqui em Mompox, a história não está apenas nos museus ou nos livros. Está nas pedras das ruas, nas varandas de ferro forjado, no próprio ar que se respira.

Nos séculos XVI e XVII, o rio Magdalena era a autoestrada da Colômbia colonial. Mompox era uma paragem obrigatória para comerciantes que transportavam ouro, prata e mercadorias entre o interior e a costa. A cidade prosperou, construiu-se, embelezou-se. Confesso que me perdi entre tantas datas e nomes de vice-reis, mas o importante é perceber que Mompox era, literalmente, o centro do mundo colonial nesta região.
Depois, o rio mudou de curso. Não completamente, mas o suficiente para que os grandes barcos deixassem de conseguir chegar facilmente à cidade. E assim, Mompox ficou isolada, esquecida, preservada no tempo como uma mosca no âmbar.
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O que realmente significa “Património Mundial”
Quando a UNESCO classifica um lugar como Património Mundial, não está apenas a dar-lhe um selo bonito para atrair turistas. Está a reconhecer que aquele lugar tem um valor universal excecional para toda a humanidade.
No caso de Mompox, os critérios foram claros: a cidade representa um exemplo excecional de arquitetura colonial espanhola, preservada de forma quase intacta. Mas para nós, viajantes comuns, o que isso significa na prática?
Comparando com outras cidades coloniais que visitei, Mompox tem algo que Cartagena perdeu: autenticidade. Em Cartagena, sentes que estás num cenário montado para turistas. Em Mompox, sentes que estás a intrometer-te na vida real de uma cidade que continua a viver como sempre viveu. Esperava mais movimento, mais vida no sentido urbano da palavra… mas percebi que o silêncio era exatamente o tesouro. O silêncio e a lentidão são os verdadeiros luxos de Mompox.
Roteiro de 2 dias: entre a pressa e a contemplação
Dia 1: Adaptação ao ritmo local
A manhã em Mompox começa cedo, não por escolha, mas porque o calor torna impossível andar na rua depois das 11h. Decidi explorar o centro histórico a pé, armado com protetor solar e uma garrafa de água que se revelou insuficiente.
A cada duas ruas tinha que parar à sombra. O esgotamento pelo calor era real – não é dramatização de blogger. Se fores entre dezembro e março (época seca), evita absolutamente andar ao sol entre as 11h e as 15h. Aprendi isto da pior maneira, quase desmaiando em frente à Igreja de San Bartolomé. Ah, e leva sempre proteção solar. Eu esqueci-me e paguei o preço com uma queimadura solar que me acompanhou o resto da viagem.
A tarde trouxe descobertas inesperadas. A Casa da Cultura estava aberta e havia uma exposição sobre a tradição de ourivesaria local. Foi aqui que conheci Don Carlos, um artesão de 78 anos que trabalha ouro há mais de 50 anos. A conversa foi difícil – o meu espanhol não é perfeito e o sotaque dele era carregado – mas conseguimos comunicar através de gestos e sorrisos.

Tentei partilhar algumas fotos no Instagram, mas o sinal era tão fraco que desisti. Na verdade, foi libertador estar desconectado. Quando foi a última vez que passaste uma tarde inteira sem verificar o telemóvel?
Para ser honesto, senti falta de mais variedade na oferta gastronómica. As opções são limitadas, mas autênticas. Jantei no restaurante do hotel – peixe do rio com arroz de coco. Simples, mas saboroso.
Dia 2: Ritmo ajustado
Acordei mais cedo e fui direto ao cais para o passeio de barco pelo rio Magdalena. O barqueiro, Jesús, explicou-me como o rio mudou ao longo dos anos e como isso afetou a cidade. Falou também sobre os esforços de conservação do ecossistema – há projetos para proteger as aves aquáticas e controlar a pesca excessiva.
Isso fez-me pensar sobre o impacto do turismo. Mompox recebe poucos visitantes comparado com outros destinos colombianos, mas mesmo assim é importante que o turismo se desenvolva de forma sustentável. A cidade não tem infraestrutura para receber multidões, e talvez seja melhor assim.
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Na manhã livre do segundo dia, simplesmente sentei-me numa praça e observei. Recebi uma mensagem de um amigo a perguntar se estava aborrecido… não estava. Estava a aprender a arte perdida da contemplação.
Guia prático: o que ninguém te conta
Alojamento – expectativas vs. realidade
As opções de alojamento em Mompox dividem-se basicamente entre pousadas históricas (mais caras) e hospedagem familiar (mais autênticas). Escolhi a pousada mais cara da cidade, pensando que seria uma experiência especial. Erro. Paguei 180.000 pesos por noite por um quarto que não justificava o preço.
A dica para poupar 30% é contactar diretamente as pousadas por telefone ou WhatsApp, em vez de reservar através das plataformas online. Muitas oferecem desconto para pagamento em dinheiro. Se voltasse, ficaria numa das casas de família recomendadas pelos locais – mais barato, mais autêntico, e provavelmente com melhor pequeno-almoço.
Esqueçam o WiFi para trabalhar. O sinal é fraco e instável em quase todo o lado.

Comida – entre o autêntico e o turístico
A gastronomia local é uma mistura interessante de influências indígenas, africanas e espanholas. Experimentei o “sancocho de pescado” – uma sopa consistente com peixe do rio, banana-da-terra e yuca. Não sabia bem o que estava a comer no início, mas o sabor era reconfortante e caseiro.
O mercado local é onde encontras a comida mais autêntica e barata. Mas cuidado com a higiene – leva sempre probióticos e evita gelo nas bebidas. Aprendi isto da forma mais desagradável possível no segundo dia.
O lado menos romântico (mas necessário)
Vamos falar do que os blogs de viagem não contam. O calor extremo e a humidade são opressivos. Há momentos em que te questionas se valeu a pena vir até aqui. A cidade não tem vida noturna – às 21h já está tudo fechado. Para quem está habituado ao ritmo urbano, pode ser claustrofóbico.
Se trabalhas online, esquece. Não há infraestrutura para nómadas digitais. Não, espera, isso é exatamente o ponto da cidade. Mompox obriga-te a desacelerar, a desconectar, a viver no presente.
Para quem NÃO recomendo
Se precisas de entretenimento constante, se não consegues passar um dia sem WiFi decente, se o calor te incomoda muito, ou se tens pouco tempo e queres “ver tudo”, Mompox não é para ti. Nesse caso, fica-te por Cartagena ou Medellín.
Mas se procuras autenticidade, se queres experienciar o ritmo de vida tradicional colombiano, se aprecias arquitetura colonial sem multidões de turistas, então Mompox pode ser uma revelação.
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Questões práticas esquecidas
Leva medicamentos básicos – não há muitas farmácias e as que existem têm stock limitado. O repelente de insetos é essencial, especialmente se fores na época das chuvas. Quanto ao dinheiro, há poucos ATMs e nem sempre funcionam. Leva dinheiro suficiente de outras cidades.
Descarrega aplicações de mapas offline e um tradutor que funcione sem internet. Acredita, vais precisar.

Reflexões de quem voltou transformado
Mompox mudou a minha forma de viajar. Antes, tinha sempre uma lista de “must-see” e corria de atração em atração. Aqui aprendi o valor do “não fazer nada”. Aprendi que nem toda a experiência de viagem precisa de ser partilhada nas redes sociais em tempo real.
Agora, meses depois, ainda penso naquelas tardes quentes em que o tempo parecia parar. Lembro-me do som dos pássaros, do cheiro do rio, das conversas lentas com os locais. Estas memórias são mais vívidas que muitas fotos que tenho de outros destinos.
A experiência de Mompox ensinou-me sobre turismo de baixo impacto. Não preciso de consumir um destino para o apreciar. Posso simplesmente estar presente, observar, respeitar o ritmo local. Isso aplicou-se às minhas viagens seguintes – comecei a escolher destinos menos óbvios, a ficar mais tempo em cada lugar, a privilegiar experiências locais em vez de atrações turísticas.
A cidade também me sensibilizou para a importância da preservação cultural. Lugares como Mompox são raros e frágeis. O desenvolvimento turístico descontrolado poderia destruir exatamente aquilo que os torna especiais.
Recomendação final honesta
Não é para todos, mas se fores do tipo de pessoa que consegue apreciar a beleza da lentidão, que não precisa de entretenimento constante, que valoriza autenticidade sobre conveniência, então Mompox pode ser uma das experiências de viagem mais marcantes da tua vida.
Quando voltaria? Talvez daqui a alguns anos, quando precisar de me lembrar de como é viver sem pressa. Voltaria para sentar naquelas mesmas praças, para ouvir novamente o silêncio da cidade, para sentir aquela sensação única de estar num lugar que o tempo esqueceu.
A saudade de Mompox é diferente da saudade de outros lugares. Não é saudade de monumentos ou paisagens específicas. É saudade de um ritmo de vida, de uma forma de estar no mundo que já quase não existe. E talvez seja exatamente isso que torna esta cidade fantasma tão especial.
Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.