Punta Gallinas: no fim do mundo colombiano


Punta Gallinas: no fim do mundo colombiano

Confesso que estava nervoso quando o 4×4 começou a balançar nas dunas como um barco numa tempestade. O meu estômago deu umas voltas que nem no pior dia de mar, e por um momento questionei se esta aventura até ao ponto mais setentrional da América do Sul não seria demasiado para alguém que viaja sempre com a família. Espera, deixa-me explicar melhor – não é só nervosismo, é aquela ansiedade boa de quem vai descobrir algo único, misturada com a preocupação típica de pai que se pergunta se devia ter ficado numa praia normal com os miúdos.

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O telemóvel mostrava 15% de bateria e zero barras de sinal há mais de uma hora. Normalmente isto seria motivo de pânico (como é que vou avisar a minha mulher que estou bem?), mas ali, naquele momento, começou a parecer-me libertador. Punta Gallinas não é apenas o extremo geográfico da Colômbia – é literalmente onde a civilização decide parar e deixar a natureza tomar conta de tudo.

Estava a viajar sozinho desta vez, uma raridade absoluta para quem normalmente planeia tudo pensando em atividades para crianças e considerações de segurança para os avós. Mas havia qualquer coisa sobre este lugar que me chamava há anos, desde que vi uma fotografia daquele farol solitário perdido entre dunas douradas e o azul infinito do Caribe. Não sabia ainda que estava prestes a descobrir muito mais do que esperava, e que a verdadeira aventura nem sequer tinha começado.

A jornada até ao ponto mais setentrional da América do Sul

De Riohacha a Uribia: preparação mental necessária

A primeira lição que aprendi foi simples: tudo se negocia. O taxista em Riohacha pediu-me 150.000 pesos colombianos para me levar até Uribia, mas depois de uma conversa de quinze minutos (onde a minha filha de 12 anos teria negociado melhor que eu), consegui baixar para 100.000. Esta é a minha primeira dica de poupança: nunca aceites o primeiro preço, especialmente quando viajas sozinho. Os condutores locais respeitam quem negocia, e acabei por poupar uns bons 25%.

O erro que quase cometi foi sair de Riohacha só com uma garrafa de água. Felizmente, o condutor – um senhor Wayuu chamado Miguel que se tornou no meu guia improvisado – parou numa loja e insistiu que comprasse pelo menos três litros. “Señor, el desierto no perdona”, disse-me com aquele sorriso sério que só os locais conseguem. Tinha razão. Completamente.

Durante as duas horas de viagem, Miguel parou três vezes para verificar o motor. Na primeira vez, entrei em pânico (lá estava eu, no meio do nada, sem sinal de telemóvel). Na segunda, comecei a suspeitar que algo estava mal. Na terceira, percebi que isto era completamente normal – os carros sofrem com o calor e a areia, e os condutores experientes sabem que é melhor prevenir. “Tranquilo, hermano”, dizia Miguel sempre que me via tenso. Aprendi a confiar no conhecimento local.

O último trecho: quando a civilização fica para trás

De Uribia para Punta Gallinas são mais 90 minutos de estrada que gradualmente deixa de ser estrada. A paisagem muda de forma quase cinematográfica – primeiro as últimas casas, depois os últimos postes de eletricidade, até que só restam dunas, cactos e o horizonte infinito. É neste momento que percebes que estás mesmo a aventurar-te no desconhecido.

Começei a questionar se tinha tomado a decisão certa…

A dúvida bateu-me quando passámos por uma comunidade Wayuu onde as crianças acenavam aos carros que passavam. Pensei nos meus filhos, em casa, provavelmente a jogar na PlayStation, e senti uma mistura estranha de culpa e libertação. Estava ali, no fim do mundo, completamente desconectado da minha vida normal, e isso assustava-me tanto quanto me emocionava.

Miguel notou o meu silêncio e começou a contar-me sobre a sua comunidade, sobre como os Wayuu vivem há séculos neste deserto, sobre o respeito que têm pelo vento e pela água. Percebi que não estava apenas a visitar um destino turístico – estava a entrar no território de um povo que conhece cada grão de areia, cada mudança do vento. Isso mudou completamente a minha perspetiva sobre o que significa ser turista responsável.

Chegada ao fim do mundo: primeiras impressões que marcam

Foi quando vi o farol que percebi – estava mesmo no fim do mundo. Não é uma expressão poética, é uma sensação física real. Ali, naquele promontório rochoso, com o vento a soprar constante e o som das ondas a ecoar contra as pedras, senti pela primeira vez na vida o que significa estar verdadeiramente no limite de algo.

O que mais me impressionou não foi a vista (que é espetacular, não me entendam mal), mas o som. Há um som único nas dunas de Punta Gallinas – o vento cria uma espécie de sinfonia baixa, constante, que nunca tinha ouvido antes. É como se o próprio deserto estivesse a respirar. Mais tarde soube que os Wayuu chamam a isto “o canto da terra”, e percebo porquê.

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A imensidão do Caribe vista dali é algo que não se consegue captar numa fotografia. Tentei, claro – tirei umas cinquenta fotos com o telemóvel, mas nenhuma consegue transmitir a sensação de pequenez que se sente ali. É o tipo de lugar que te faz pensar sobre o teu lugar no mundo, sobre o quão insignificantes são as nossas preocupações diárias.

Tentei enviar uma mensagem à minha família, mas obviamente não havia sinal. Por um momento senti aquela ansiedade moderna de estar desconectado, mas depois… libertação total. Quando foi a última vez que passei três horas sem olhar para o telemóvel? Não conseguia lembrar-me.

Curiosamente, lembrei-me da minha avó naquele momento…

Punta Gallinas: no fim do mundo colombiano
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Ela costumava dizer que os lugares mais bonitos do mundo são aqueles onde não há pressa para nada. Ali, com o sol a começar a descer e o vento a contar histórias antigas, percebi o que ela queria dizer.

Foi neste momento que deixei de estar nervoso e comecei verdadeiramente a apaixonar-me por Punta Gallinas.

Explorando Punta Gallinas: muito além do farol icónico

O farol que todos fotografam (mas há mais para ver)

Toda a gente vai a Punta Gallinas para fotografar o farol, e eu não fui exceção. Mas descobri rapidamente que há uma arte para fotografar este lugar. A minha dica pessoal, testada na prática: evita o meio-dia. A luz é demasiado dura e perde-se toda a magia. O melhor momento é mesmo entre as 16h e as 17h, quando o sol está baixo o suficiente para criar sombras dramáticas nas dunas, mas ainda alto o suficiente para iluminar o farol.

Não, enganei-me, o melhor horário não é o pôr do sol como toda a gente diz. O pôr do sol é bonito, sim, mas fica toda a gente ali a disputar o mesmo ângulo. O momento mágico é mesmo uma hora antes, quando ainda tens luz suficiente para detalhes, mas já tens aquela atmosfera dourada que faz toda a diferença.

O farol em si é mais pequeno do que esperava – não é uma dessas estruturas imponentes que vemos nos filmes. Mas é exatamente isso que o torna especial. É humilde, quase tímido, perdido naquela imensidão. Representa perfeitamente o que é Punta Gallinas: um lugar onde a natureza é protagonista e o homem é apenas um visitante respeitoso.

Taroa: a praia que poucos conhecem

Aqui está a minha descoberta favorita de toda a viagem: a praia de Taroa. A maioria dos turistas fica pelo farol e vai embora, mas se caminhares cerca de 20 minutos pela costa (sempre com protetor solar, o vento engana e queimas-te sem dar por isso), chegas a esta praia absolutamente selvagem onde o deserto encontra o mar de forma dramática.

Na maré baixa – e aqui está a segunda dica de poupança – formam-se piscinas naturais entre as rochas que são perfeitas para um banho refrescante. Os tours organizados cobram 80.000 pesos para te levar até aqui, mas podes facilmente caminhar por conta própria. Poupa o dinheiro e ganha a experiência.

Acabei por fazer snorkeling numa dessas piscinas naturais (tinha trazido máscara e tubo por acaso) e descobri pequenos peixes tropicais que vivem ali, protegidos das ondas maiores. Foi completamente inesperado – ninguém me tinha dito que era possível fazer snorkeling em Punta Gallinas.

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Mas atenção: este é também um local de desova de tartarugas marinhas. Durante a minha visita, em fevereiro de 2025, vi sinais de ninhos protegidos pela comunidade local. É importante manter distância e não perturbar estas áreas. O turismo aqui só faz sentido se for completamente sustentável – estas tartarugas já têm desafios suficientes com as mudanças climáticas.

As dunas que mudam com o vento

As dunas de Punta Gallinas são uma força viva. Literalmente. Mudam de forma com o vento constante, e o que vês hoje não será exatamente igual amanhã. Caminhei por elas durante quase duas horas, perdido numa espécie de meditação involuntária. O silêncio é tão profundo que consegues ouvir o teu próprio coração, interrompido apenas pelo sussurro constante da areia a mover-se.

A experiência sensorial é indescritível – a areia fina entre os dedos dos pés, o calor que sobe do chão, o contraste entre o dourado das dunas e o azul intenso do mar. Há momentos em que te sentes como se estivesses noutro planeta. Enquanto escrevo isto, ainda sinto areia nos sapatos, e isso faz-me sorrir porque é como se Punta Gallinas tivesse vindo comigo.

O erro que quase cometi foi usar ténis normais. A areia entra por todo o lado e torna-se desconfortável rapidamente. Sandálias abertas ou, melhor ainda, pés descalços (se aguentares o calor) são a melhor opção. Aprendi isto da pior maneira, claro.

Conviver com os Wayuu: lições de vida no deserto

Foi na casa de Doña Carmen, uma senhora Wayuu de 70 anos que nos ofereceu café e sombra durante o calor do meio-dia, que comecei verdadeiramente a apaixonar-me não só pelo lugar, mas pela cultura que o habita. Ela não falava português, o meu espanhol é básico, mas conseguimos comunicar através de sorrisos e gestos universais de hospitalidade.

Doña Carmen mostrou-me como fazem o café wayuu – forte, doce, servido em pequenos copos de metal que queimam os dedos mas que se tornam reconfortantes depois de algumas tentativas. Enquanto bebia, observei o ritmo da sua vida: sem pressa, sem stress, completamente sincronizada com o ritmo do deserto e do vento.

A experiência fez-me questionar tudo sobre o meu próprio ritmo de vida. Em casa, estou sempre a correr – trabalho, escola dos miúdos, atividades, compromissos. Ali, sentado à sombra de uma pequena casa de adobe, percebi que havia esquecido como é estar verdadeiramente presente num momento.

Senti-me dividido entre ser turista e viver uma experiência autêntica.

Punta Gallinas: no fim do mundo colombiano
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É um dilema real. Por um lado, queria fotografar tudo, documentar, partilhar. Por outro, percebia que o mais valioso daquela experiência não se podia capturar numa imagem – era a sensação de paz, a lição de simplicidade, o privilégio de ser recebido com tanta generosidade.

Deixei uma contribuição monetária discreta (20.000 pesos colombianos) não como pagamento, mas como forma de retribuir a hospitalidade. Doña Carmen aceitou com um sorriso e ofereceu-me um pequeno tecido wayuu que ainda hoje uso como marcador de livros. É a minha lembrança mais preciosa da viagem.

Para quem visita Punta Gallinas, a minha sugestão é escolher sempre hospedagem ou tours que beneficiem diretamente a comunidade Wayuu. Eles são os verdadeiros guardiões deste lugar, e o turismo só faz sentido se os ajudar a preservar a sua cultura e território.

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Sobrevivência prática: o que precisas mesmo de saber

Depois de passar dois dias em Punta Gallinas, posso dizer-te exatamente o que é essencial e o que é dispensável. Primeiro, água – muito mais água do que pensas que vais precisar. Eu levei três litros e acabei por beber quatro (tive de comprar mais na comunidade). O vento constante desidrata-te sem dares conta.

Protetor solar factor 50, mínimo. Reaplicar de duas em duas horas, religiosamente. O vento dá uma sensação de frescura que engana completamente – queimei-me no primeiro dia apesar de achar que estava protegido. Chapéu com fita para não voar (aprendi isto à força quando o meu chapéu decidiu fazer uma viagem solo pelas dunas).

A sério, não subestimes o poder do vento do deserto. É constante, implacável, e leva tudo o que não estiver bem seguro. Óculos de sol com cordão, telemóvel sempre no bolso com fecho, e cuidado ao abrir mochilas – perdi um carregador portátil que voou mais rápido que um pássaro.

Quanto ao dinheiro, leva efectivo suficiente. Não há multibanco em lado nenhum, e os pagamentos são todos em pesos colombianos. Para dois dias, gastei cerca de 300.000 pesos (incluindo transporte, comida e contribuições para a comunidade) – é um orçamento realista para 2025.

Prepara-te mentalmente para o isolamento digital. Não há Wi-Fi, não há dados móveis, não há forma de te conectares ao mundo exterior. Para mim, que vivo colado ao telemóvel por causa do trabalho e da família, foi inicialmente angustiante. Mas depois tornou-se libertador de uma forma que não esperava.

Quando é altura de partir: a relutância inevitável

Na manhã do terceiro dia, quando Miguel apareceu para me levar de volta à civilização, senti uma relutância física em partir. Não era só preguiça ou o conforto de estar desconectado – era uma sensação genuína de que estava a deixar algo importante para trás.

Acabei de receber uma mensagem de um amigo a perguntar se valeu a pena, e a resposta é complexa. Punta Gallinas não é para toda a gente. Não há luxo, não há comodidades, não há entretenimento no sentido tradicional. Mas se procuras uma experiência que te mude, que te faça questionar o teu ritmo de vida e te conecte com algo maior que tu próprio, então sim, vale cada peso colombiano gasto.

O que significa realmente “fim do mundo”? Durante anos pensei que era apenas uma expressão geográfica – o ponto mais distante, o limite físico de algo. Mas em Punta Gallinas percebi que é muito mais que isso. É o fim do mundo como o conhecemos – das nossas rotinas, das nossas preocupações constantes, da nossa necessidade de estar sempre conectados e ocupados.

Ali, naquele promontório batido pelo vento, com o farol solitário a marcar o limite entre a terra e o mar infinito, senti-me parte de algo muito maior e muito mais antigo que a minha pequena vida urbana. Foi uma experiência que continua a influenciar-me meses depois – sou mais paciente com os miúdos, mais presente nas conversas, menos ansioso com coisas que não posso controlar.

A minha recomendação final é honesta: vai apenas se estiveres preparado para ser transformado. Punta Gallinas não é um destino turístico no sentido tradicional – é uma experiência de vida. E como todas as experiências verdadeiramente marcantes, deixa-te diferente do que eras quando chegaste.

Passados alguns meses, ainda sonho com o som do vento nas dunas e com o sorriso de Doña Carmen. E já estou a planear voltar – desta vez com a família toda, para lhes mostrar que o fim do mundo pode ser, afinal, o início de uma nova forma de ver a vida.

Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.