Chingaza: lar dos ursos de óculos andinos


Chingaza: lar dos ursos de óculos andinos – uma aventura que mudou a minha perspetiva sobre conservação

Confesso que quando vi aquela publicação no Instagram sobre os ursos de óculos do Parque Nacional Chingaza, fiquei meio cético. Mais um destino “instagramável” que provavelmente seria uma desilusão na vida real? Mas havia algo naquela imagem desfocada de um urso entre a vegetação que me intrigou. Talvez fosse o facto de nunca ter ouvido falar destes animais antes, ou talvez fosse apenas a minha necessidade crescente de fugir do caos de Bogotá. Seja como for, três semanas depois estava eu a fazer as malas, com aquela mistura típica de expectativa e ansiedade que só as viagens para o desconhecido conseguem provocar.

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A decisão não foi fácil. Tinha lido críticas contraditórias – uns diziam que era impossível ver os ursos, outros garantiam avistamentos garantidos. Como sempre, a verdade estava algures no meio, mas isso só descobri depois. O que me decidiu mesmo foi uma conversa com um colega fotógrafo que tinha ido lá no ano anterior. “João, esquece as expectativas”, disse-me ele. “Vai pela experiência, não pela foto perfeita.” Palavras sábias que só compreendi completamente quando regressei.

A jornada até ao coração dos Andes colombianos

A viagem desde Bogotá começa logo como um teste de paciência. Três horas de estrada serpenteante, e o meu maior stress não era a condução do motorista (que, para ser honesto, me deixou com os nervos em franja), mas sim a bateria do telemóvel que teimava em descarregar mais depressa do que o normal. Típico, não é? Estamos tão dependentes destes aparelhos que até numa aventura na natureza a primeira preocupação é ficar sem bateria.

O Google Maps offline salvou-me a vida quando perdemos o sinal perto de La Calera. O GPS do carro alugado decidiu fazer greve precisamente no momento em que mais precisávamos dele, e foi aí que percebi como somos vulneráveis sem tecnologia. Felizmente, tinha descarregado os mapas offline antes de sair – uma lição que aprendi da forma mais difícil numa viagem anterior ao Peru.

A mudança de temperatura foi brutal. Saí de Bogotá com 20°C e cheguei ao parque com uns gelados 8°C. O meu casaco “técnico” que parecia tão adequado na cidade revelou-se completamente insuficiente. Primeira lição: o clima da montanha não perdoa, especialmente quando se está a 3.000 metros de altitude.

Como chegar sem complicações (e sem gastar uma fortuna)

Depois de testar várias opções, posso dizer-vos que há formas inteligentes de chegar ao Chingaza sem arruinar o orçamento. O transporte público custa cerca de 15.000 pesos colombianos (uns 3,50€), mas preparem-se para uma viagem longa e várias mudanças. Os tours organizados cobram à volta de 80.000 pesos (18€), mas incluem transporte direto e guia.

A minha recomendação? Encontrem um condutor local. Através de um grupo no Facebook consegui o contacto do Miguel, um senhor da região que conhece o parque como as suas próprias mãos. Cobrou-me 60.000 pesos pelo dia completo, incluindo espera, e foi uma das melhores decisões da viagem. Não só poupei dinheiro como ganhei um guia improvisado que me contou histórias locais que nenhum tour oficial partilha.

O primeiro encontro com a realidade do páramo

Para ser completamente honesto, esperava ver ursos logo na primeira hora. Sim, eu sei, era uma expectativa ridícula, mas a verdade é que quando se investe tempo e dinheiro numa viagem específica para observar fauna, a ansiedade toma conta. A realidade do páramo colombiano é bem diferente das minhas fantasias urbanas.

A chuva chegou do nada. A previsão meteorológica dizia 20% de probabilidade, mas claramente os algoritmos não conhecem a meteorologia andina. Em quinze minutos estava encharcado, com o equipamento fotográfico a fazer-me companhia dentro da mochila impermeável. O silêncio era ensurdecedor – um tipo de quietude que só se encontra a esta altitude, onde até os pássaros parecem sussurrar.

Foi neste momento que o Miguel me disse algo que mudou toda a minha perspetiva: “Os ursos não seguem horários de turista, João. Eles vivem aqui há milhares de anos, nós é que somos visitas.” Tinha razão, claro. A minha pressa urbana não fazia sentido nenhum ali.

O erro mais comum que vejo os turistas cometerem é ir apenas por meio dia. Impossível. O páramo precisa de tempo para se revelar, e os animais precisam de tempo para se habituarem à nossa presença. Quem vai com pressa volta frustrado, garanto.

A ciência por trás dos ursos de óculos – mais fascinante do que imaginava

A partir de 2024, estima-se que existam apenas 2.000-2.500 ursos de óculos na Colômbia inteira. Quando o biólogo local, Dr. Carlos Herrera, me disse este número, senti um arrepio. Estamos literalmente a falar de uma espécie à beira da extinção, e eu ali, com a sorte de poder estar no seu habitat natural.

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O Carlos trabalha no parque há quinze anos e a conversa com ele foi um dos momentos altos da viagem. Explicou-me que cada urso tem um território de cerca de 20 quilómetros quadrados – imaginem a área que precisam para sobreviver! E aqui está o paradoxo: quanto mais turistas responsáveis visitam o parque, mais fundos há para a investigação e conservação. O turismo, quando bem feito, salva espécies.

Uma descoberta que me surpreendeu completamente: os ursos de óculos são 95% vegetarianos. Toda a minha vida pensei nos ursos como predadores ferozes, mas estes são basicamente jardineiros gigantes das montanhas. Comem frutos, folhas, raízes, e ocasionalmente alguns insetos. A minha teoria inicial de que seriam perigosos para os humanos desmoronou-se completamente.

Porque é que eles usam “óculos”?

As marcas claras à volta dos olhos não são apenas um capricho da natureza. Segundo a teoria evolutiva mais aceite, estas marcas ajudam na comunicação entre indivíduos da espécie, especialmente durante o período de acasalamento. Cada urso tem um padrão único – como impressões digitais humanas.

Chingaza: lar dos ursos de óculos andinos
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Eu tinha uma teoria completamente errada (típico de mim): pensava que era para proteger os olhos do sol da altitude. Completamente disparatado, como o Carlos me explicou com paciência. A evolução é bem mais sofisticada do que as minhas teorias de café.

O papel crucial no ecossistema

Os ursos de óculos são os jardineiros secretos dos Andes. Quando comem frutos, as sementes passam pelo seu sistema digestivo e são “plantadas” quilómetros mais longe, junto com um fertilizante natural perfeito. Sem eles, muitas espécies de plantas não conseguiriam colonizar novos territórios.

É uma daquelas relações simbióticas que me fazem questionar como é que ainda há gente que não acredita na importância da conservação. Cada espécie que perdemos é como remover uma peça de um puzzle complexo – eventualmente, toda a imagem se desfaz.

A arte da observação – paciência, silêncio e muita sorte

E então, depois de quatro horas de caminhada, aconteceu. Estava eu a ajustar as definições da câmara (bateria já nos 23%, a ansiedade a crescer) quando o Miguel me tocou no ombro e apontou silenciosamente para uma encosta a cerca de 200 metros. Lá estava ele – o meu primeiro urso de óculos selvagem.

O coração disparou-me de tal forma que pensei que o urso o ia ouvir. Era mais pequeno do que esperava, com aquelas marcas características à volta dos olhos que pareciam óculos de sol vintage. Movia-se com uma elegância surpreendente para um animal daquele tamanho, investigando metodicamente a vegetação.

O dilema tecnológico moderno: fotografar ou apenas observar? A bateria fraca do telemóvel forçou-me a escolher, e optei por observar com binóculos durante os primeiros dez minutos. Foi uma das melhores decisões da viagem. Há algo mágico em observar um animal selvagem sem a barreira de um ecrã.

As técnicas de observação que aprendi com o Miguel foram preciosas. Primeiro: movimentos lentos e deliberados. Segundo: evitar cores garridas (o meu casaco vermelho ficou na mochila). Terceiro: paciência infinita – os ursos podem ficar imóveis durante minutos antes de se moverem novamente.

Os melhores horários para avistamentos, baseados na minha experiência e confirmados pelo Carlos, são das 6h às 8h da manhã e das 16h às 18h. Durante o meio-dia, os ursos descansam nas zonas mais densas da vegetação, praticamente invisíveis.

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Equipamento essencial que testei: binóculos (imprescindíveis), roupa em tons neutros, lanche energético (a altitude cansa mais do que esperamos), e – isto é crucial – respeitar sempre a distância mínima de 50 metros. Os ursos podem parecer dóceis, mas são animais selvagens com força suficiente para partir uma árvore.

Além dos ursos – a biodiversidade que me surpreendeu

O Chingaza é muito mais do que ursos de óculos. A lista de espécies que consegui fotografar versus as que apenas observei tornou-se um jogo pessoal: 23 espécies de aves fotografadas, 31 observadas. Entre as plantas, perdi completamente a conta.

Houve um momento hilariante quando pensei ter avistado um veado-de-cauda-branca e comecei a fotografar freneticamente. O Miguel aproximou-se, observou através dos binóculos e disse calmamente: “João, isso é uma pedra com musgo.” A altitude estava claramente a afetar-me mais do que pensava. Lição aprendida: confirmar sempre antes de disparar 50 fotos.

A aplicação iNaturalist tornou-se a minha melhor amiga. Consegui identificar plantas que nunca tinha visto na vida, como o frailejón, uma espécie endémica dos páramos que parece saída de um filme de ficção científica. A tecnologia ao serviço da natureza – adoro esta combinação.

A descoberta que mais me surpreendeu foi a quantidade absurda de colibris a 3.000 metros de altitude. Sempre associei estas aves a climas tropicais quentes, mas aqui estavam eles, dezenas de espécies diferentes, adaptados ao frio extremo da montanha.

Os habitantes alados que roubaram o espetáculo

No último dia apareceu um condor-dos-andes. Não estava à espera, não estava preparado tecnicamente, mas lá estava ele, majestoso, a planar sobre o vale. As fotografias ficaram terríveis – a distância era enorme e a luz não ajudava – mas a experiência foi inesquecível.

Fotografar aves em movimento a esta altitude é um desafio técnico brutal. A falta de oxigénio afeta a coordenação, e os reflexos ficam mais lentos. Aprendi que é melhor observar primeiro, fotografar depois, e aceitar que algumas experiências são demasiado preciosas para serem capturadas numa imagem.

Chingaza: lar dos ursos de óculos andinos
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Planeamento prático – o que gostava de ter sabido antes

Vamos aos números reais, testados na prática. A entrada no parque custa 17.000 pesos colombianos para estrangeiros (cerca de 4€) – a partir de dezembro de 2024, segundo a informação mais recente. Um guia local especializado em fauna custa entre 80.000 a 120.000 pesos por dia (18-27€), dependendo da época e duração.

Alimentação: levem lanche próprio. O restaurante mais próximo fica a 45 minutos de carro, e os preços são turísticos. Uma refeição simples custa 25.000 pesos (6€), quando na cidade pagam metade.

Inicialmente pensei que dois dias eram suficientes, mas estava completamente enganado. Recomendo pelo menos três dias completos, especialmente se querem ter hipóteses reais de avistar ursos. A natureza não segue horários, e a pressa é inimiga da observação de fauna.

Época seca (dezembro a março) versus época chuvosa (abril a novembro): testei ambas. A época seca oferece melhor visibilidade e caminhos mais seguros, mas também mais turistas. A época chuvosa tem menos visitantes e os animais são mais ativos, mas preparem-se para lama e equipamento molhado.

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O melhor guia que encontrei foi através de uma recomendação num grupo do Facebook “Turismo Responsável Colômbia”. Às vezes as melhores dicas vêm das redes sociais, não dos sites oficiais.

O que levar (lista testada na prática)

Equipamento obrigatório baseado nos meus erros: casaco impermeável (não resistente à água, impermeável mesmo), botas de caminhada com boa aderência (escorreguei três vezes com ténis normais), binóculos (mínimo 8×42), powerbank com capacidade para dois dias, e – isto é fundamental – luvas térmicas. As mãos geladas não conseguem operar câmaras.

Para os conscienciosos ambientalmente: garrafa de água reutilizável (há pontos de abastecimento no parque), sacos reutilizáveis para lixo (deixem o local melhor do que encontraram), e evitem produtos com embalagens descartáveis.

Onde ficar sem arruinar o orçamento

Testei três opções pessoalmente: o hotel em La Calera (45.000 pesos/noite, 10€), uma quinta rural a 30 minutos do parque (35.000 pesos/noite, 8€), e camping no parque (15.000 pesos/noite, 3,50€).

A quinta rural foi o melhor compromisso – preço justo, pequeno-almoço incluído, e conheci outros viajantes interessados em conservação. Foi lá que descobri a existência de uma rede informal de pessoas que viajam especificamente para observar fauna ameaçada. Conectar com esta comunidade enriqueceu muito a experiência.

Reflexões finais – porque é que Chingaza me marcou para sempre

Meses depois de regressar, ainda recebo mensagens no WhatsApp do Miguel com fotos de novos avistamentos. “João, lembras-te daquele local onde vimos o primeiro urso? Hoje apareceram dois!” Estas mensagens fazem-me sorrir e, simultaneamente, deixam-me com saudades.

Esta viagem mudou fundamentalmente a minha perspetiva sobre turismo responsável. Antes via a conservação como algo abstrato, importante mas distante. Depois de passar tempo no habitat dos ursos de óculos, compreendi visceralmente como cada escolha de viagem pode contribuir para salvar ou destruir espécies.

O que mais me marcou não foi o momento do primeiro avistamento (embora tenha sido emocionante), mas sim a conversa com o Dr. Carlos sobre como o financiamento da investigação depende diretamente do número de visitantes responsáveis. Cada entrada paga, cada guia contratado, cada noite num alojamento local contribui diretamente para a sobrevivência dos ursos.

A última olhada para trás, antes de deixar o parque, foi agridoce. Por um lado, sentia-me privilegiado por ter tido esta experiência; por outro, preocupado com o futuro destes animais extraordinários.

Se decidirem visitar Chingaza – e espero sinceramente que o façam – lembrem-se de que são visitantes num lar que não vos pertence. Respeitem, observem, aprendam, e deixem apenas pegadas. Os ursos de óculos agradecem, e vocês regressarão transformados. Esta é apenas a minha experiência pessoal, mas garanto-vos que vale cada peso colombiano investido e cada hora de paciência necessária.

Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.