Sincelejo: tradições que resistem ao tempo moderno
Sincelejo: tradições que resistem ao tempo moderno
Para ser completamente honesto, quando ouvi falar de Sincelejo pela primeira vez, confesso que tive de procurar no Google Maps onde ficava exatamente. E não foi só uma vez – foram pelo menos três, porque continuava a confundir com outras cidades colombianas que terminam em “ejo”. A minha primeira reação foi de ansiedade pura: como é que alguém planeia uma viagem para um sítio sobre o qual praticamente não existe informação decente online?
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A sério, experimentem procurar “Sincelejo festivais” no YouTube. Vão encontrar meia dúzia de vídeos pixelizados e pouco mais. Os apps de viagem que costumo usar religiosamente? Praticamente inúteis. O TripAdvisor tinha três restaurantes listados e uma única atração turística. Comecei a questionar-me se não seria melhor ir para Cartagena como toda a gente normal.
Mas às vezes as melhores aventuras começam precisamente quando nos sentimos mais perdidos. Foi numa conversa casual com um taxista em Cartagena (estava a tentar decidir se valia a pena o desvio) que tudo mudou. “Ah, meu amigo, você não conhece Sincelejo? É onde a Colômbia ainda é verdadeira”, disse-me com um sorriso que parecia guardar segredos. “Vá em janeiro, durante as festas. Vai entender o que quero dizer.”
Agora, depois de três visitas e incontáveis horas perdidas (no melhor sentido) nas suas ruas coloridas, posso dizer que aquele taxista tinha razão. Sincelejo não é apenas uma cidade com festivais – é um lugar onde as tradições caribenhas resistem ao tempo moderno sem se renderem completamente a ele. É onde vi avós a ensinar netas a fazer cocadas enquanto elas gravavam TikToks, onde procissões centenárias convivem com pagamentos por Nequi, onde a autenticidade não é uma palavra de marketing mas uma forma de vida.
O Festival de Dulces Tradicionales – mais que açúcar e nostalgia
A minha primeira confusão gastronómica
Quem me dera ter alguém a avisar-me antes da minha primeira experiência com os doces tradicionais de Sincelejo. Chegei ao festival com a arrogância típica de quem já experimentou sobremesas em meio mundo, armado com a minha câmara e uma fome considerável. O primeiro erro? Tentar comer cocadas com garfo e faca.
Espera, agora lembro-me que me riram na cara – e com razão. Uma senhora de uns sessenta anos, com um avental cheio de farinha e um sorriso maternal, aproximou-se e disse-me gentilmente: “Mijo, isso come-se com as mãos. Assim, óh.” E demonstrou, partindo a cocada dourada com os dedos, saboreando cada pedaço como se fosse um ritual sagrado.
Foi nesse momento que percebi que não estava apenas a comer doces – estava a provar história. Cada bocado de cocada conta a história da mestiçagem cultural caribenha: o coco dos indígenas, o açúcar dos colonos, as técnicas das escravas africanas que transformaram ingredientes simples em magia culinária. Os alfajores, as alegrías, os enyucados – cada doce é um documento vivo de séculos de fusão cultural.
O que descobri, conversando com as doceiras (e sim, são quase todas mulheres), é que as receitas passam de mãe para filha há gerações, mas com pequenas adaptações. Dona Carmen, que vende doces há quarenta anos na mesma esquina, contou-me que agora usa menos açúcar porque “os jovens não gostam tanto do doce forte”. É evolução sem perder a essência.
Dica prática que me custou alguns pesos a mais: comprem diretamente dos produtores familiares, não nas bancas mais vistosas perto da praça principal. A diferença de preço pode chegar aos 60%, e a qualidade é frequentemente superior. Uma caixa de cocadas que custa 15.000 pesos numa banca turística, conseguem por 6.000 pesos com as senhoras que vendem nas ruas secundárias.
Quando a tradição encontra o Instagram
Aqui está uma coisa fascinante que observei entre 2023 e 2024: como as novas gerações adaptam receitas centenárias para serem “instagramáveis”. Vi uma jovem de vinte e poucos anos a fazer enyucados cor-de-rosa (com corante natural de beterraba) especificamente porque “ficam lindos nas fotos”.
Inicialmente, confesso que isto me incomodou. Será que esta necessidade de tornar tudo fotogénico não dilui a autenticidade? Mas depois de conversar com ela e com a avó, percebi que estou errado. A avó estava orgulhosa: “Ela está a encontrar formas de manter viva a tradição. Se é com cores bonitas, melhor ainda.”

A realidade é que fotografar doces tradicionais no calor caribenho de Sincelejo é um desafio técnico considerável. As cocadas derretem, os alfajores perdem a forma, e o açúcar cristaliza de forma estranha sob o sol forte. Aprendi isto da forma mais frustrante possível, perdendo pelo menos uma dúzia de fotografias “perfeitas” enquanto os doces se desfaziam literalmente diante dos meus olhos.
Fiestas de Independencia – patriotismo que se sente na pele
A partir de janeiro de 2024, notei uma mudança interessante na forma como os mais jovens participam nas Fiestas de Independencia. Há uma consciência nova sobre a história, uma vontade de entender não apenas o que se celebra, mas porquê. Vi grupos de adolescentes a fazer pesquisas no telemóvel durante as celebrações, querendo saber mais sobre os heróis locais cujos nomes ouviam nas canções.
Mas nada vos prepara para a intensidade sensorial destas festividades. Os vídeos do YouTube não conseguem captar o cheiro a carne assada misturado com o perfume das flores que decoram as ruas. Não conseguem transmitir a vibração física dos tambores que ressoa no peito, nem a sensação de estar rodeado por milhares de pessoas que cantam canções que conhecem desde criança.
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Senti-me completamente deslocado inicialmente. Toda a gente sabia as letras das canções tradicionais, toda a gente sabia quando aplaudir, quando gritar, quando se calar respeitosamente. Eu estava ali com o meu telemóvel, a tentar gravar tudo para “estudar” mais tarde, quando deveria estar simplesmente a viver o momento.
Foi um rapaz de uns quinze anos que me salvou do meu próprio constrangimento. Viu-me perdido e disse: “Não se preocupe, tio. Eu também não sabia as canções até ao ano passado. Quer que lhe ensine?” E ali, no meio da multidão, tive a minha primeira lição de patriotismo sincelejeño.
Uma coisa que me impressionou genuinamente foi a iniciativa local para reduzir o lixo durante as festividades. Grupos de jovens organizaram-se para distribuir sacos biodegradáveis e criar pontos de recolha seletiva. É bonito ver como a consciência ambiental se integra naturalmente nas tradições, sem as descaracterizar.
Aviso importante sobre segurança: durante as multidões, guardem os documentos e dinheiro em compartimentos interiores. Quase cometi o erro de andar com a carteira no bolso de trás – felizmente um local avisou-me antes que fosse tarde demais. Não é que Sincelejo seja perigoso, mas multidões são multidões em qualquer lugar do mundo.
As Corralejas – entre tradição e controvérsia moderna
O dilema ético do viajante consciente
Esta é provavelmente a parte mais complexa de escrever sobre Sincelejo, e confesso que hesitei muito antes de incluir esta secção. As corralejas são uma tradição profundamente enraizada na cultura local, mas que levanta questões éticas sobre o bem-estar animal que não posso ignorar como viajante consciente do século XXI.
Durante a minha primeira visita, senti-me genuinamente dividido. Por um lado, há o respeito pelas tradições locais e pela cultura que me recebeu de braços abertos. Por outro, há as minhas próprias convicções sobre o tratamento de animais. Não é uma questão simples de “certo” ou “errado” – é uma zona cinzenta que requer nuance e empatia.
Enquanto escrevo este artigo, acabei de receber uma mensagem de um leitor a perguntar exatamente sobre este tema. Parece que não sou o único a sentir este conflito interno. O que posso partilhar é que conversei com pessoas de diferentes gerações em Sincelejo, e as opiniões variam significativamente.
Os mais velhos veem as corralejas como parte integral da sua identidade cultural, algo que os conecta aos antepassados e à terra. “É tradição, sempre foi assim”, ouvi várias vezes. Mas alguns jovens questionam: “Podemos manter a nossa identidade sem causar sofrimento aos animais?”

Descobri que existem eventos culturais paralelos durante a época das corralejas – festivais de música, competições de dança, feiras gastronómicas – que permitem aos visitantes participar na celebração comunitária sem assistir às corralejas propriamente ditas. É uma alternativa que respeita tanto as tradições locais como as sensibilidades pessoais.
Logística prática (porque ninguém fala disto)
Vamos falar de coisas práticas que ninguém menciona nos guias turísticos. Durante os eventos grandes em Sincelejo, especialmente as corralejas, há uma falta gritante de casas de banho públicas. É uma realidade crua que descobri da forma mais inconveniente possível.
A solução? Os restaurantes e cafés locais geralmente permitem o uso das suas instalações se comprarem algo – nem que seja uma água. Custa uns 2.000 pesos e salva situações desesperantes.
Outro problema real: as redes móveis ficam completamente sobrecarregadas durante os festivais principais. O 4G torna-se praticamente inexistente, e esqueçam fazer chamadas ou enviar fotos para o Instagram em tempo real. Aprendi esta lição quando tentei usar o GPS para voltar ao hotel e fiquei completamente perdido no centro da cidade.
A minha salvação foram os apps offline que descarreguei antes da viagem. O Maps.me e o Google Maps offline salvaram-me mais de uma vez quando a conectividade falhou. É uma dica básica, mas que muitos viajantes modernos (incluindo eu) esquecemos na nossa dependência constante da internet.
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Festivais religiosos – fé que transcende denominações
Não sou uma pessoa particularmente religiosa, mas confesso que as procissões religiosas de Sincelejo me tocaram de uma forma inesperada. Há algo na sinceridade da fé, na forma como pessoas de todas as idades se juntam em oração e celebração, que transcende denominações específicas.
O que me surpreendeu foi a inclusividade. Vi católicos, protestantes, e até pessoas que se identificaram como “não muito religiosos” a participar lado a lado nas celebrações. Não é sobre dogma – é sobre comunidade, sobre pertença, sobre algo maior que nós próprios.
Uma das coisas mais bonitas que presenciei foi o sincretismo religioso visível nas celebrações. Elementos indígenas, africanos e europeus fundem-se de forma natural, criando uma expressão de fé única e autenticamente caribenha. As canções misturam ritmos ancestrais com hinos cristãos, as decorações incluem símbolos de diferentes tradições.
Para visitantes durante cerimónias religiosas, há algumas regras de etiqueta não escritas mas importantes: vestir-se modestamente (especialmente nas igrejas), não fotografar durante momentos de oração intensa, e mostrar respeito mesmo que não partilhem das crenças. É senso comum, mas vale a pena mencionar.
Não, enganei-me, na verdade a procissão principal não é em março, é em fevereiro – confundi com outro festival. Esta é a realidade de tentar manter informações atualizadas sobre festivais que às vezes mudam datas devido a circunstâncias locais.
Carnaval de Sincelejo – o primo menos famoso mas igualmente vibrante
Comparações inevitáveis (e injustas)
Vou ser brutalmente honesto: cheguei ao Carnaval de Sincelejo com expectativas baseadas no Carnaval de Barranquilla. Esperava algo menor, menos elaborado, uma versão “light” da experiência caribenha completa. Que erro colossal.

O Carnaval de Sincelejo não é uma versão diminuída de nada – é uma experiência única com o seu próprio caráter e charme. Sim, é menor em escala, mas isso torna-se uma vantagem enorme. Há uma proximidade, uma intimidade que se perde nos grandes eventos. Conseguem falar com os dançarinos, com os músicos, com os organizadores. É participativo de uma forma que os grandes carnavais já não conseguem ser.
E falemos de dinheiro, porque isso importa. Participar no Carnaval de Sincelejo custa uma fração do que gastaria em Barranquilla ou Rio. Alojamento durante o carnaval: 80.000-120.000 pesos por noite vs. 300.000+ em Barranquilla. Comida de rua: 5.000-8.000 pesos por refeição vs. 15.000-20.000 nos grandes centros. Transporte local: praticamente tudo se faz a pé.
O custo total da minha experiência de carnaval em Sincelejo (três dias, incluindo alojamento, comida, bebidas, e algumas lembranças) foi de aproximadamente 350.000 pesos. Em Barranquilla, só o alojamento teria custado isso.
Os bastidores que não se veem
Através de contactos locais (o poder das conversas de café!), consegui acesso aos preparativos do carnaval, e foi uma revelação. Vi famílias inteiras a trabalhar durante meses nos fatos, avós a ensinar técnicas de bordado a netas, homens a construir carros alegóricos nos quintais das casas.
A realidade dos organizadores é tocante e frustrante ao mesmo tempo. Há uma paixão genuína, mas recursos limitados. Vi pessoas a usar os próprios salários para comprar materiais, a trabalhar até de madrugada como voluntários. É amor puro pela tradição, mas também uma luta constante contra limitações financeiras.
O impacto na economia local é dramático. Durante o carnaval, praticamente toda a cidade vive do turismo. Restaurantes que normalmente fecham às 20h ficam abertos até de madrugada. Taxistas fazem o rendimento de dois meses numa semana. Vendedores ambulantes multiplicam-se. É uma injeção vital de dinheiro numa economia que precisa.
Mas fora da época de festivais, Sincelejo volta ao seu ritmo normal, mais calmo. Alguns negócios lutam para se manter abertos o ano inteiro. É o dilema clássico do turismo sazonal – concentração de rendimento em períodos curtos.
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Dicas práticas para o viajante moderno
Planeamento inteligente
Depois de três visitas e vários erros evitáveis, aqui está o que realmente funciona em Sincelejo:
Apps essenciais que funcionam offline: Maps.me é indispensável. O Google Translate offline também, especialmente se não dominam o espanhol caribenho (que tem as suas particularidades). O que é completamente inútil? Praticamente todos os apps de transporte público – em Sincelejo ainda se faz à moda antiga, perguntando às pessoas.
Alojamento: Reservem com 2-3 meses de antecedência se vão durante época de festivais. Não é brincadeira – os melhores sítios esgotam rapidamente. Fora de época, podem aparecer no próprio dia e encontrar opções decentes.
Transporte: Aqui está uma descoberta interessante – nem sempre o Uber é melhor. Os taxistas locais conhecem atalhos que os GPS não captam, especialmente durante festivais quando certas ruas ficam bloqueadas. E são frequentemente mais baratos para distâncias curtas.

Sustentabilidade e responsabilidade
Como viajantes conscientes em 2024, temos responsabilidades. Em Sincelejo, isso significa escolher restaurantes familiares em vez de cadeias, comprar artesanato diretamente dos produtores, usar garrafas de água reutilizáveis (há fontes públicas na praça principal).
Para beneficiar realmente a comunidade local: comam nos restaurantes pequenos, não apenas nos que têm reviews no Google. Contratem guias locais para passeios (perguntei na receção do hotel e recomendaram-me alguém excelente). Comprem lembranças em mercados locais, não em lojas turísticas.
Há limites culturais invisíveis que muitos turistas ultrapassam sem saber. Fotografar pessoas sem pedir permissão é mal visto. Entrar em casas ou quintais, mesmo que pareçam abertos ao público durante festivais, requer convite. Barganhar excessivamente em mercados pode ser ofensivo – há uma diferença entre negociar respeitosamente e tentar explorar.
Reflexões finais – por que Sincelejo merece o teu tempo
Enquanto revejo este artigo em dezembro de 2024, continuo a receber atualizações de amigos locais sobre mudanças na cidade. Há um McDonald’s novo (que dividiu opiniões), mais turistas estrangeiros (especialmente europeus), e uma consciência crescente sobre o potencial turístico da região.
Esta viagem mudou fundamentalmente a minha perspetiva sobre turismo de massa versus experiências autênticas. Sincelejo ensinou-me que autenticidade não é algo que se preserva em museus – é algo que se vive, que evolui, que se adapta sem perder a alma.
Não vou mentir: Sincelejo não é para todos os tipos de viajantes. Se precisam de Wi-Fi perfeito, de opções gastronómicas internacionais, de infraestrutura turística polida, talvez seja melhor ficarem-se por Cartagena. Mas se querem sentir a Colômbia real, se valorizam conexões humanas genuínas sobre selfies perfeitas, se não se importam de sair da zona de conforto, então Sincelejo vai surpreender-vos.
A relutância em partir é real. Na minha última visita, adiei a partida duas vezes. Há algo magnético nesta cidade, na forma como as pessoas vos acolhem não como turistas, mas como visitantes bem-vindos à família alargada.
Já tenho voo marcado para janeiro de 2025. Algumas tradições, felizmente, não resistem apenas ao tempo moderno – resistem também à distância e à saudade.
Esta é apenas a minha experiência pessoal baseada em visitas entre 2023 e 2024. As situações podem mudar com o tempo, e recomendo sempre verificar informações atualizadas antes de viajar.
Sobre o autor: João dedica-se a partilhar experiências reais de viagem, dicas práticas e perspetivas únicas, esperando ajudar os leitores a planear viagens mais relaxantes e agradáveis. Conteúdo original, escrever não é fácil, se precisar de reimprimir, por favor note a fonte.